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Crítica | Dottie Gets Spanked

por Michel Gutwilen
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Em Dottie Gets Spanked (em uma tradução livre: Dottie é Espancada) um curta de trinta minutos para a televisão feito em 1993, o diretor Todd Haynes explora a temática queer, assunto que sempre foi caro ao seu cinema. Contudo, isso pode estar escondido dentro de um segundo tema, a fama (também já explorada, como em Velvet Goldmine), e por isso um conhecimento prévio através da ótica do autorismo pode ajudar a enxergar isso de maneira mais clara.

Afinal, a história se passa nos anos 60, tempo da televisão como auge do entretenimento suburbano, e nela acompanhamos o menino Steven Gale, que não sai de frente da tela quadrada e possui uma fascinação pelo Show de Dottie e pela imagem da atriz, a ponto de desenhá-la constantemente. Além disso, vemos um pesadelo no qual é sugerido que ele recebe castigos físicos do pai. Posteriormente, o menino consegue ganhar um prêmio para visitar os sets de filmagem do show, o que o leva a um misto de encantamento e desilusão. Contudo, em umas das cenas, ele presencia a atriz levando tapas na bunda em uma da cena, se provando um gatilho e uma enorme confusão mental, uma vez que o prazer é confundido com a dor. Neste sentido, seus sonhos com espancamento vão ficando cada vez mais intensos — aliás, em uma entrevista, Haynes afirmou que este enredo é, em parte, autobiográfico e reflete sua devoção por I Love Lucy.

É claro que pode se dizer que a desilusão quanto a magia da TV é uma temática forte do enredo, o que não deixa de ser verdade em uma primeira camada. Há uma mudança de comportamento que começa com a adoração platônica diante do templo (televisão), é continuada quando o garoto viaja pela cidade grande até o set e, depois, essa aura mágica é perdida quando ele se defronta com a realidade. A atriz de Dottie fuma, usa peruca, possui uma dublê, a cena é interrompida quando não está boa, há toda uma equipe por trás. Nada é como parece. Assim, um espectador desavisado quanto aos temas recorrentes de Haynes poderia achar que o desenho sendo jogado na floresta no final do filme seria apenas a perda desse encantamento, como uma criança que descobriu que papai noel não existe.

Contudo, tanto o autorismo quanto entender algumas escolhas estilísticas de Haynes mostram que essa relação de idolatria e espectatorialidade são muito mais um pano de fundo para uma intenção mais sombria que busca falar sobre a descoberta e a repressão sexual. Neste sentido, as sequências oníricas se demonstram como o grande ápice visual de Dotties Gets Spanked, de forma que todos os sentimentos guardados explodem como um verdadeiro orgasmo em forma de montagem frenética que remonta ao trabalho do cineasta experimental Bruce Conner (analogia essa feita pelo próprio Todd, em uma entrevista). Entre os planos que vão se alternando por milésimos de segundo durante o pesadelo, vemos Steven sendo tanto espancado quanto espancando. Aqui, há uma mistura desse ato tanto como uma forma de controle parental quanto de de cunho sexual, em uma espécie de subversão do primeiro para o segundo. Numa fase em que as crianças estão se descobrindo, os sentimentos vão à flor da pele sem dar espaço para a racionalidade. O castigo vira prazer, o amor platônico vira sexual. Logo, a cena final se ressignifica e ganha até um caráter mais pessimista ainda, no qual Steven decide guardar e esconder sua sexualidade em um lugar obscuro até que um dia ele volte a procurá-la. 

Dottie Gets Spanked  – EUA, 1993
Direção: Todd Haynes
Roteiro: Todd Haynes
Elenco: J. Evan Bonifant, Barbara Garrick, Julie Halston, Robert Pall, Harriet Sansom Harris, Irving Metzman
Duração: 30 min.

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