Home FilmesCríticas Crítica | Duas Imagens de Guerra + Fratura Exposta, Pt. I “A Sonâmbula”

Crítica | Duas Imagens de Guerra + Fratura Exposta, Pt. I “A Sonâmbula”

por Davi Lima
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O grande estímulo maravilhoso do curta de João Pedro Faro é o exercício do Efeito Kuleshov (artifício de montagem de significação para o espectador) com base na fotografia já estática, que toma movimento ainda mais intenso pela montagem de algo antes concebido parado. Até parece uma questão fotogramétrica da imagem como um cenário com contexto histórico de guerra mundial, sem tempo ou espaço necessariamente conhecido, mas que na seleção da ordem das imagens consegue provocar até uma intertextualidade. Pois o efeito mesmo é que existem de fato dois mundos numa só imagem única, tornando a imagem integral como um texto a ser citado no novo texto do diretor.

Se na primeira imagem há um incômodo tanto no apontar do rosto de um homem quanto na incapacidade de ver os olhos dele, o efeito do rosto da menina já não se vira para o que está sendo visto à frente dela, e sim no efeito do desconhecido quanto ao homem. No entanto, existe aí uma profundidade horizontal de interpretações, em que em tempos distintos, ou localidades, a captação pode variar num espectro de drama, terror ou até humor ácido. Se João Pedro cria uma narrativa dentro do universo da imagem, ainda assim ele dilui a técnica naturalmente ao tornar seu exercício ainda mais interpretativo dentro da nova percepção criada.

Em relação à segunda imagem, há uma profusão de emoções semelhantes à primeira foto, mas com termos temáticos diferentes. Se na primeira pode-se pensar na pedofilia, na segunda há um teor feminista, uma noção até irônica da mulher quanto à guerra, especialmente a relação israelense e sua posição de alistamento feminino. Mas a situação da foto é distinta da primeira, em que as comparações da segunda parte nunca compartilham o plano aberto que revela a imagem do todo. É como se no mesmo artifício técnico a narrativa fosse se tornando profunda, assim como autores usam a intertextualidade para literalmente expandir ou especificar uma arte já estabelecida em suas dimensões.

No final, o exercício de Duas Imagens de Guerra é o mesmo que se pode conhecer de outras obras do cinema, mas as guerras tratadas por João Pedro Faro, tanto a realista quanto a abstrata, são bem distintas na meticulosidade do zoom e da decupagem.

Duas Imagens de Guerra – Brasil, 2020
Direção: João Pedro Faro
Roteiro: João Pedro Faro
Duração: 3 minutos
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Fratura Exposta, Pt. I “A Sonâmbula”

Não é uma obra consistentemente sobre crítica, mas qualquer incômodo é mais que um mero impacto na experiência com ele. É a afirmação profunda sobre como o natural opõe a destruição da imagem, esse tal vazio, esse niilismo. Em geral, a ideia é que o ser sonâmbulo é o zumbi que está prestes a acordar por não persistir no vazio de um sono sem princípio além da emoção.

Essa introdução da imagem do curta sem figuração, a falta de concretude de qualquer coisa, até mesmo a psicodelia das cores que se envolvem no movimento de fluidez e fluxo de luzes pisca-pisca vão resultando na afirmação corrida e letrada em caps lock da legenda, a coisa mais concreta. São decretos de começo do fim, o pensamento inocente da “ordem cíclica” que incomoda pelo errático universo dessa inocência que influi em ignorância. O impacto emotivo disso é reação ao corpo, ao ser que tenta se libertar da deformação, da corrupção.

Então, essa extensão veemente do incômodo como forma de abordagem é o problema do mal, é a moral abalada por compreensão de um bem que não foi revelado. A nudez no curta, a sexualidade como emoção que não se explicita pela incapacidade de ser totalmente exposta, em vista da sublimação do movimento frenético, e a voz robótica que “letraliza” tudo, incita a ideia sobre algum significado da montagem invisível da obra audiovisual em questão, que é essa luta por compreender além do ser humano. No entanto, no estado de letargia que o curta-metragem vai acusando, o processo de compreensão de uma transcendência, de alcançar o natural, o corpo e o físico como meio, é a PARTE I de um sonho.

Logo, sensação conflituosa que a diretora Natália Reis não é incrível pelo sentimento, é incrível por questionar esse sentimento como o próprio esvaziamento, esvaziamento da idolatria da emoção. O paradoxo não é visto nem sentido plenamente, mas é plantado, e por isso é cingido, é perfurado algo na consciência de qualquer que seja o espectador. É o objetivo artístico em si e para o além do “si” artístico. E assim, expande-se para expor a verdadeira realidade como profecia no término do próprio título do curta.

Fratura Exposta, Pt. I “A Sonâmbula” (Fratura Exposta, Pt. I “A Sonâmbula”) – Brasil, 2020
Direção: Natália Reis
Roteiro: Natália Reis
Duração: 7 min.

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