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Crítica | Dumbo (1941)

por Gabriel Carvalho
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“Você está voando! Você está voando!”

Você já pensou em ver um elefante voar? Uma das animações mais queridas pelo mundo, ganhando gerações e gerações, possui um curioso enredo de superação, que se amarra com o encanto causado pelo longa. Dumbo é sobre o mágico vencer do mundano, quando o misticismo consegue superar as grades de uma jaula. Pois o projeto em si é uma vitória, encontrando um enorme sucesso apesar dos desafios de produção, e que são notáveis, objetivamente, na obra em questão: sua qualidade técnica e suas virtudes narrativas. E torna-se, a sua maneira tão particular, uma grande prova de que a magia pode surgir em qualquer lugar – até mesmo nos mais ordinários.

O que o passado conta faz sentido. Com o prestigiado Fantasia, a Disney gastava uma quantia assombrosa para tornar essa sua obra-prima uma realidade, mas não recebeu um retorno pelo público. Tal perda financeira causada precisava, em consequência, ser recuperada. Dumbo teria, portanto, tudo para ser um filme pequeno, se comparado aos outros grandes clássicos, pois seus custos foram barateados. Com apenas 64 minutos, este é um dos longas-metragens de menor duração da carreira da empresa. Para valores de comparação, seu orçamento foi um terço do de Pinóquio, lançado um ano antes.  Mas, mesmo assim, um elefante voou e voou para bem longe.

A memória que as pessoas e o mundo têm desta obra não poderia exemplificar melhor o seu grande sucesso, com um interesse comercial notório, mas também com um charme mágico, subvertendo-se, então, a ótica do pequeno. Tão grande quanto as suas orelhas é o carinho do mundo pelo elefante voador. Há mais de setenta anos atrás, quando Dumbo lançou nos cinemas, não saberíamos dizer o quanto inesquecível essa adaptação da história original de Helen Aberson e Harold Pearl seria. Chegaríamos muito perto. Dumbo é a superação de uma barreira humana – o orçamento entra aqui – pelos que são injustamente desmerecidos, vistos como sucata.

Esse é, naturalmente, o despertar de uma magia escondida em meio a aparências – as orelhas gigantes de Dumbo, anormais, guardam surpresas. Tanto a animação quanto o personagem despertam-se em meio ao improvável, ao impossível. Estamos entrando na jornada de um bebê elefante com orelhas maiores do que o normal, encaminhado ao papel de palhaço em um circo e encaminhado à solidão. Como separar uma criança de sua mãe? Isso é injusto. Como separar um clássico Disney do orçamento a que deveria ter tido direito, essencial para um misticismo de primeiro escalão. Ao capricho que uns outros projetos, tão adorados quanto, tiveram. Isso é injusto.

Mas foquemos, antes de outras coisas, no engrandecimento conquistado através de uma história comovente e atemporal. Sra. Jumbo (Verna Felton) é uma figura verdadeiramente amável, sendo uma forte representação do amor materno. Mas esse amor – após as zombarias de suas amigas no circo a enraivecerem -, dura pouco tempo. Depois da Sra. Jumbo contra-atacar garotos que ridicularizavam seu filho, os dois são distanciados pelos donos do espaço. Dumbo está sozinho, porém, sua grandeza e a magia, existentes mesmo no caos e na depressão, o salvará. O encontro com um ratinho companheiro e a descoberta do misticismo em si. Essa jornada torna-se milagrosa.

Dumbo apenas quer rever sua mãe. O elefante até possui a chance de, rapidamente, reencontrá-la. Entretanto, as grades na jaula impedem que o contato seja integral. Meramente a tromba da Sra. Jumbo consegue confortar seu pequeno, entristecido na ausência de sua protetora. Em um filme pouco lembrado pelas suas canções – a maior parte sendo bem alegres, assoviáveis, remetentes a um espírito circense, mas pouco memoráveis -, Baby Mine é realçada pela interpretação emotiva de Betty Noyes. O milagre de Dumbo irá contrariar essas mazelas causadas pelo homem, que se mostram inoperantes e intocáveis à grandiosidade existente no que é só puro.

Dumbo também é milagroso porque nasce e consegue ser visto em meio a uma crise financeira na Disney, em meio a uma guerra – a Segunda Guerra Mundial estava no seu auge. Os seus defeitos, entretanto, perdem o poder de ridicularizar a sua existência – e são vários problemas notáveis, incluindo aqueles que crescem com o passar do tempo, como o teor racista muito incômodo. Dumbo, portanto, pega o nome que apelidam Jumbo Júnior grosseiramente para usar como o seu próprio, sem vergonha, tornando o que distingue esse elefante dos demais o que o torna especial. O seu teor dramático casa-se bem com essa proposta pela emancipação da magia.

O erro na criação é um acerto. Pois Dumbo, agora a animação, supera suas limitações técnicas pela magia. Os olhos são uma exceção na qualidade capenga de uma obra sucateada em orçamento. Os animais não são bem ilustrados, enquanto percebe-se, com clareza até, que o cenário de certos planos estão mal-acabados, ainda mais se comparados com as imagens que se posicionam na frente. Mostra ser dureza enaltecer algum esmero artístico – mais formal no visual – em Dumbo tanto quanto enaltecemos o restante de sua composição – a verdadeira responsável pela imortalidade do longa-metragem,  e o que o torna um marco em superação:  interna e externa.

Contudo, mesmo com o orçamento limitado, os animadores trouxeram uma das sequências mais imagéticas das animações, certamente memorável. O segmento psicodélico com os elefantes rosas, assustador para crianças pequenas, no entanto, é também um encontro misterioso com a magia então prenunciada. Logo depois dessa cena, o personagem aparece em cima de uma árvore – portanto, voou. O psicodelismo é aterrorizante porque a magia surge com receios naturais, para que então seja abraçada. O medo em nos vermos mágicos. Dumbo também temerá voar, conscientemente, pela primeiríssima vez.  Porém, ao voar, será um ser incomparável, místico.

Em contrapartida, os 64 minutos de duração do conjunto, em vista do orçamento, realmente têm um efeito negativo. A conclusão de Dumbo é muito apressada, pois a magia já se encontra como resolução e só, sem muita noção narrativa. A montagem entre as cenas da animação, na verdade, não é orgânica. Soa como esquetes, embora amarradas por um eixo narrativo – a única exceção é a excepcional sequência dos elefantes coloridos, que se encaixa perfeitamente com a sua cena consequente. Mas o momento da revelação de Dumbo para o mundo vem logo depois de seu primeiro voo,  sem muita preparação dramática para que fôssemos completamente carregados aí.

Timóteo (Edward Brophy), ratinho que faz amizade com o protagonista, por exemplo, emite a mesma euforia de um segmento para o outro, denotando redundância. Da mesma maneira, o reencontro entre filho e mãe pedia por mais preparo. Um embate mais visceral entre o elefante mágico e os humanos genéricos – e que são mais ameaçadores por serem assim. Uma “intervenção” monetária, com uma extensão na conclusão e no andamento, era necessária? Ou Dumbo tem esse charme por ser um patinho feio da empresa? Independe, porque tais ainda são características que, ironicamente casando ou não, afetam uma experiência até mais pungente.

Se o tempo nos mostra o quão Dumbo não consegue sair da cabeça das pessoas, também realça algumas características difíceis de trabalharmos, senão criticamente. O quarto longa-metragem da Disney possui estereótipos raciais claros na apresentação de seu grupo de corvos. Os trejeitos comportamentais desses personagens são racistas. Eles são criaturas “gente boa”, mas ofensivas. E o nome do protagonista desse grupo, pelo menos no roteiro, é Jim Crow (Cliff Edwards), uma referência repugnante às leis segregacionistas do sul dos Estados Unidos. O racismo era uma constante da empresa em seus primórdios, caminhando em outros exemplos, como em Peter Pan.

Os méritos devem ser lembrados, assim como esses graves deméritos, para não serem repetidos. No mais, é mágico como o protagonista Dumbo, sem ter uma única linha de diálogo, tornou-se um dos símbolos mais reconhecíveis da Disney. Timóteo, nesse ponto em questão, é enfraquecido quando comparado com um outro personagem semelhante, o Grilo Falante, um dos maiores símbolos dos estúdios. Mas Timóteo é, na animação por si só, um coadjuvante muito divertido e amistoso, mais complexo ainda quando percebemos seus interesses dúbios com Dumbo. Tanto quer ajudar seu amigo quanto quer ganhar um espaço no entretenimento,  pensando em si mesmo.

Dumbo, contudo, não explorou essas complexidades, preferindo ser um projeto bem mais simples e conciso na trajetória do seu protagonista, sofrendo e, posteriormente, engrandecendo-se. Mesmo assim, é tão intenso quanto outras obras do estúdio. Certamente um prazer rever essa icônica conquista, tanto tempo depois. É um emocionante e absoluto espetáculo da animação de Walt Disney, merecidamente inesquecível. Um dos definidores de clássico e, paralelamente, um dos definidores da magia que essas animações carregam em seu peito por tantas décadas, partindo de um camundongo falante e chegando, aqui, em um elefante – que pode até ser mudo – mas voador.

  • Texto originalmente de 11 de janeiro de 2018. Republicado e reescrito em vista do lançamento da adaptação em live-action, dirigida por Tim Burton.

Dumbo — EUA, 1941
Direção: Samuel Armstrong, Soman Ferguson, Wilfred Jackson, Jack Kinney, Bill Roberts, Ben Sharpsteen, John Elliotte
Roteiro: Joe Grant, Dick Huemer
Elenco: James Baskett, Herman Bing, Billy Bletcher, Edward Brophy, Jim Carmichael, Hall Johnson Choir, Cliff Edwards, Verna Felton, Noreen Gammill, Eddie Holden, Sterling Holloway, Betty Noyes
Duração: 64 min.

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