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Crítica | Duna: Casa Atreides

O prelúdio de Leto Atreides - e companhia.

por Kevin Rick
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Duna: Casa Atreides é uma jogada de marketing padrão. Com o lançamento da adaptação cinematográfica de Duna, Brian Herbert e Kevin J. Anderson decidiram revisitar sua Trilogia Prelúdio literária através da mídia dos quadrinhos. Os dois autores já vêm tirando leite de pedra do material original de Frank Herbert há mais de duas décadas com seus livros – 14 e contando -, então, nada mais esperado do que uma reciclagem desse material em uma forma de arte mais fácil e rápida de consumo, ainda por cima navegando no hype do filme. A escolha pela editora BOOM! Studios, uma casa de HQ’s baseadas em franquias cinematográficas, é mais um indício da proposta marketeira desse quadrinho.

Mas, olha, mesmo nascendo de uma vergonhosa estratégia comercial, eu comecei a ler Duna: Casa Atreides de coração aberto. Eu acho que sou um dos poucos fãs de Duna que tem um certo apreço pelo trabalho literário de Brian Herbert e Kevin J. Anderson – nada espetacular, mas consigo me divertir com sua abordagem basicona de sci-fi pulp. Além de que, acredito haver um tremendo potencial de expansão para a franquia, dado o rico universo e a mitologia fértil de Duna, mesmo na proposta de ficção científica genérica dos livros recentes. E quando penso na abundante quantidade de escritores de quadrinhos com qualidade por aí, a Nona Arte se mostra um campo frutífero para Duna passar por novas mãos, estilos e perspectivas.

Melhor dizendo, seria um campo frutífero, se Brian Herbert e Kevin J. Anderson não fossem dois autores possessivos. Os artistas nunca deixaram outro romancista tocar nos livros, e, aparentemente, seguirão a mesma rota com os quadrinhos. É claro como o Sol de Arrakis que eles não têm ideia de como transferir o literário para a experiência visual das HQ’s. Primeiro que os autores fazem uma reprodução praticamente igual do livro homônimo adaptado, o que, partindo da perspectiva de que um número limitado de pessoas leram o material original, até faz sentido como apresentação da mesma história. No entanto, a maneira como eles fazem a reprodução, mais especificamente em termos de estrutura narrativa e diálogos, não faz o menor sentido. Para resumir, os roteiristas decidem diluir um calhamaço de 700 páginas em doze edições de, em média, 30 páginas. Nada poderia dar errado, não é mesmo?

Bem, quase tudo dá errado. Duna: Casa Atreides é, em sua trama principal, um prelúdio para Leto Atreides, passando pela sua infância como príncipe até sua nomeação como Duque Atreides. Mas o enredo engloba outros núcleos primários, como a história de origem do soldado Duncan Idaho; a introdução da Casa Vernius; a trama ecológica com Kynes; o passado do Barão Harkonnen e da Madre Gaius Helen Mohiam; e, por fim, a história de usurpação do trono pelas mãos do Imperador Shaddam IV. É muita coisa para 12 edições curtas. E o pior, essas tramas raramente se encontram, causando um mosaico confuso e arrastado como experiência de leitura. Já sinto esse problema de fluidez no livro, mas que, aqui, ganha outra dimensão negativa.

Tendo uma tonelada de histórias para contar dentro de um espaço curto, a obra se torna um amontoado de núcleos se ricocheteando entre transições abruptas. Os escritores confiam na exposição estranha falada em voz alta sobre o passado dos personagens ou literalmente sobre o que está acontecendo na página como modo de correr com os acontecimentos, tornando a dinâmica de leitura extremamente irritante. É como se Herbert e Anderson esquecessem que estão trabalhando com uma leitura visual, sempre se rendendo ao textual e não à imagem para nos contar a história. “Livro ilustrado” nunca fez tanto sentido como aqui, com a diagramação seguindo uma dieta rígida de narrativa expositiva, vários balões em cada página e painéis poluídos que não conseguem respirar artisticamente para inserir os leitores neste universo.

Brian Herbert e Kevin J. Anderson mudaram de mídia, mas parecem ter esquecido da regra máxima da narrativa visual: mostre, não conte. Dev Pramanik é um artista decente que entende o teor sci-fi da trilogia prelúdio com a arte, digamos, tecnológica e designs científicos, divergindo do estilo letárgico e contemplativo da obra original de Frank Herbert. E o trabalho de cores de Alex Guimarães também é interessante, transmitindo um tom arenoso e empoeirado sem ficar excessivamente monocromático no esquema de cores multicolorido da ficção científica futurista. Mas os artistas estão presos a um enredo quase-literário que não lhes dá recursos para fazer construção de mundo. Em Duna: Casa Atreides, estamos sempre passeando por diálogos acelerados e resoluções superficiais que não oferecem tempo para seus personagens, temas e mitologia. Uma perda de tempo.

Duna: Casa Atreides (Dune: House Atreides) – EUA, 2021
Roteiro: Brian Herbert, Kevin J. Anderson (baseado no livro Dune: House Atreides, dos mesmos autores)
Arte: Dev Pramanik
Letras: Ed Dukeshire
Cores: Alex Guimarães
Editora: BOOM! Studios
Páginas: 354

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