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Crítica | Duna (Marvel Comics – 1984)

A arte deve fluir.

por Ritter Fan
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Em dezembro de 1984, no mesmo mês de lançamento de Duna, de David Lynch, nos cinemas americanos, a Marvel Comics, então uma das mais prolíficas editoras na área de adaptação de filmes em quadrinhos, fazia chegar às lojas especializadas a graphic novel do longa, com roteiro adaptado por Ralph Macchio e arte de Bill Sienkiewicz. Alguns meses depois, como de praxe em publicações deste tipo, a editora relançou a HQ em formato de minissérie em três edições. Trata-se de um dos últimos exemplares bons neste específico e tão comum departamento à época em diversas editoras de quadrinhos.

O que torna a HQ de Duna especial é a arte de Sienkiewicz, artista de estilo único e ousado, que sempre procura deixar seu estilo marcado em tudo o que desenha. E sua escolha para capitanear a arte faz todo sentido considerando a temática lisérgica do longa (afinal, o que é a especiaria que não uma substância que permite ao usuário literalmente “viajar”?), considerando que sua marca registrada é justamente criar imagens que contorcem e até deturpam a percepção do leitor, com uma progressão de quadros única, cheia de sobreposições e traços sujos, por vezes rabiscados que se prestam muito à emprestar força aos personagens.

Claro que, em uma adaptação em quadrinhos de uma obra cinematográfica, normalmente há limitações impostas pela produção, de forma a evitar um distanciamento muito grande entre os materiais, o que naturalmente tolhe a liberdade do artista, mas Sienkiewicz é Sienkiewicz e ele sabe exatamente em momentos pode arriscar e dar à HQ o seu toque pessoal, o seu estilo inconfundível. E olha que estamos falando de um autor de estilo surreal adaptando um longa de um diretor que tem basicamente o mesmo estilo e que também muito claramente imprimiu sua visão bem particular sobre o material fonte escrito por Frank Herbert.

O resultado é um visual cuidadosamente ousado, começando pelas vistas gerais de Duna que são desenhadas de maneira simplíssima, com meros traços marcando as dunas de areia, mas que geram imagens realmente inesquecíveis, por diversas vezes mais pontes que no próprio filme. Da mesma forma, quando o artista lida com os gigantescos vermes de areia, seu senso de escala entra em funcionamento e ele consegue, mesmo no espaço apertado de uma HQ que não lhe permitiu mais páginas do que o número regulamentar, trabalhar momentos grandiosos. Esses momentos são também vistos nas sequências de batalha, em que ele é capaz de impor seu estilo “sujo”, com rostos que são puros jogos de sombras, com expressões viscerais de triunfo, dor e controle.

Por seu turno, o roteiro de Macchio é, apenas, subserviente ao roteiro de Lynch, praticamente não deixando nada de fora, o que significa dizer que todo o texto expositivo original é mantido, por vezes até acrescentado de breves explicações ao pé dos quadros, o que acaba, inevitavelmente, tumultuando um pouco os quadros por mais eficiente que o veteraníssimo Joe Rosen tenha sido. É evidente que, assim como o filme, a HQ teria se beneficiado e muito de uma economia de palavras, mesmo considerando a complexidade do romance de Herbert, o que abriria espaço para artes mais exuberantes de Sienkiewicz.

No entanto, também como acontece com o longa de Lynch, a forma da HQ é prevalente em cima de sua substância, já que muita coisa da obra de Herbert ficou mesmo de fora na versão que acabou chegando nos cinemas. Portanto, estamos aqui diante de um daqueles casos em que a arte é realmente muito mais importante que os balões de diálogo, não sendo errado até mesmo dizer que a arte ajuda a corrigir diversos problemas narrativos do roteiro original que Macchio não consegue minimizar, o que faz o saldo final ser muito positivo e, mais ainda, faz o leitor pensar como seria essa adaptação se o desenhista realmente tivesse toda a liberdade possível, sem limite fixo de páginas.

A adaptação de Duna, um filme já falho em sua origem, mas que gosto muito, consegue ser um excelente trabalho em razão dos traços marcantes de Bill Sienkiewicz que acerta ao transpor para o espaço que tem todo o deslumbramento visual que Lynch conseguiu colocar nas telonas. Não tenho dúvidas de que foi uma tarefa difícil, por vezes ingrata, mas ler a versão em quadrinhos da obra de Lynch é encontrar uma fascinante dimensão nova do filme.

Duna (Dune – EUA, 1984/1985)
Roteiro: Ralph Macchio (baseado em roteiro de David Lynch, por sua vez baseado em obra de Frank Herbert)
Arte: Bill Sienkiewicz
Letras: Joe Rosen
Cores: Pat DeFalco
Editoria: Bob Budiansky, Jim Shooter
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: dezembro de 1984 (one-shot), abril a junho de 1985 (minissérie em três edições)
Páginas: 70

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