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Crítica | Duna – Versão Estendida

Esticando até arrebentar.

por Ritter Fan
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Como tive oportunidade de abordar quando escrevi a crítica da versão que foi exibida nos cinemas de Duna, dirigida por David Lynch, o filme é inegavelmente uma tentativa falha de se levar o épico literário de Frank Herbert para as telonas, mas que tem seu valor estético e narrativo, além de uma baita trilha sonora. Lynch, apesar de ter sido convidado diversas vezes pela Universal Studios, jamais retornou para fazer uma Versão do Diretor e sequer menciona o longa em entrevistas, demonstrando claro descontentamento com seu trabalho.

Mas esse descontentamento não advém unicamente do material que acabou sendo lançado aos cinemas, mas também do tratamento que ele recebeu dos De Laurentiis – Dino e sua filha Raffaella – que, dentre outras várias coisas, não hesitaram em pegar material do corte original de quatro horas (jamais lançado) para remontar Duna em uma versão para a televisão em 1988, com nada menos do que 186 minutos de duração e transmissão em episódios. Lynch detestou tanto o resultado que exerceu seu direito de não ter seu nome associado a ele, com a direção sendo, então, creditada a Alan Smithee, o famoso, mas não mais usado pseudônimo que é sinônimo de “eu não quero ter nenhuma relação com esse lixo”. Na verdade, a raiva de Lynch foi tanta que ele exigiu que seu nome fosse também retirado dos créditos de roteirista, com a substituição por Judas Booth, nome criado por ele que reúne nada menos do que o Judas Iscariotes bíblico com John Wilkes Booth, o assassino de Abraham Lincoln.

No entanto, a versão televisiva odiada por Lynch nunca foi disponibilizada comercialmente em vídeo doméstico, mas sim uma outra, 10 minutos mais curta, que o diretor também não quis ter nenhuma relação e é essa que é objeto da presente crítica. Em linhas gerais, não há absolutamente nada na Versão Estendida que altere a Versão de Cinema ou mesmo que acrescente linhas narrativas paralelas ou diferentes. A cadência de acontecimentos é rigorosamente a mesma, com os mesmos destinos para todos os personagens, com exceção de Thufir Hawat (Freddie Jones) que ganha um final vazio e inconclusivo, meramente aparecendo entre os capturados pelos Fremen na batalha final.

O que muda é que diversas sequências originalmente filmadas, mas não utilizadas por Lynch – entre o que ele não gostou e o que ele foi obrigado a deixar no chão da sala de edição por exigência da distribuidora, que queria um filme mais curto – são trazidas de volta, mas com apenas duas realmente relevantes, a primeira mostrando Paul Atreides (Kyle MacLachlan) combatendo Jamis (Judd Omen), o Fremen que o desafia na sequência em que ele e a mãe encontram o Sietch Tabr, já que estabelece de início o valor do futuro Kwisatz Haderach e sua relação próxima com Chani (Sean Young) e a segunda revelando de que a Água da Vida é extraída de Vermes da Areia ainda pequenos que são mortos ao serem colocados em água, o que funciona para conectar a substância essencial para a transformação de Paul com as criaturas que dominam Arrakis. As demais cenas inéditas são apenas perfumaria que valem pela curiosidade apenas, com o mesmo valendo para tomadas mais longas de sequências que constam da versão original, como a que Feyd Rautha (Sting) tortura o Duque Leto (Jürgen Prochnow) ainda inconsciente.

O problema mais sério das novas cenas ou versões mais alongadas de outras é que o trabalho de edição é muito ruim aqui. Sem supervisão de um cineasta como Lynch, os De Laurentiis basicamente fizeram tudo da maneira mais barata e simplória possível, assassinando de vez o ritmo narrativo e transformando as sequência inéditas em excrecências que foram muito obviamente costuradas de qualquer jeito entre uma cena e outra, por vezes até encurtando algumas relativamente importantes, como é a sequência introdutória – e bem violenta – do Barão Vladimir Harkonnen (Kenneth McMillan). Com isso, o resultado é que as qualidades do longa original não são amplificadas, mas, ao revés, seus problemas tornam-se ainda mais sérios, já que um longa com efeitos especiais já fracos para a época não se beneficia quando eles são objeto de cenas muito maiores sem nenhuma razão de ser, por exemplo.

Além disso, há a questão do texto expositivo que abordei na crítica da Versão de Cinema. Lynch já havia sido obrigado a inserir uma narração em off de Virginia Madsen, que vive a Princesa Irulan (e que faz todo sentido se levarmos em consideração o romance de Herbert), no início do longa na forma de prólogo, além de alguns “pensamentos” de personagens ao longo da narrativa. Aparentemente, porém, isso não foi o suficiente para a Versão Estendida, que foi “brindada” com a inserção, especialmente no começo, mas também ao longo da projeção, de artes conceituais feitas para o filme para substituir aquilo que não foi filmado e que ninguém jamais pensaria em gastar para filmar para criar um prólogo gigantesco que explica um monte de coisa oriunda do livro, mas que, no frigir dos ovos, não tem relevância alguma para o filme. Além disso, a narração em off original foi completamente substituída por uma HORRÍVEL – deixe-me repetir: HORRÍVEL – narração explicativa e interminável de alguém (não descobri quem é, pois ele não é creditado) que jamais, em hipótese alguma, deveria narrar alguma coisa na vida. Sabe aqueles professores péssimos que dão aula lendo o livro didático em tom monocórdio? Pois bem, é exatamente o que acontece aqui, no que parece mais ser uma pegadinha dos responsáveis pela Versão Estendida do que algo feito com seriedade. Nem mesmo o jargão específico do longa é pronunciado pelo narrador da forma que os personagens pronunciam, revelando muito claramente que ninguém se deu sequer ao trabalho de homogeneizar nada.

David Lynch fez foi muito bem em se afastar do que fizeram com seu filme. Não que Duna fosse uma obra-prima – e eu reconheço que eu gosto do filme mais do que a maioria das pessoas -, mas o longa de 1984 pelo menos seguia um caminho lógico e uma cadência boa, o que é completamente destruído pelas adições mal e porcamente inseridas na Versão Estendida que tornam muito mais sérios os problemas preexistentes na obra, acrescentando diversos outros. Fico até com pena dos fictícios Alan Smithee e Judas Booth, que levarão a culpa dessa piada sem graça de quase três horas de duração…

Duna – Versão Estendida (Dune – Extended Edition, EUA – 2006)
Direção: Alan Smithee
Roteiro: Judas Booth (baseado em romance de Frank Herbert)
Elenco: Kyle MacLachlan, Francesca Annis, Brad Dourif, José Ferrer, Freddie Jones, Richard Jordan, Virginia Madsen, Kenneth McMillan, Everett McGill, Kenneth McMillan, Siân Phillips, Jürgen Prochnow, Paul L. Smith, Patrick Stewart, Sting, Dean Stockwell, Max von Sydow, Alicia Witt, Sean Young, Judd Omen
Duração: 176 min.

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