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Crítica | E o Sangue Semeou a Terra

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Glyn McLyntock está fugindo de um homem chamado Glyn McLyntock. A “sina da fuga”, elemento marcante da pentalogia de westerns feitos por Anthony Mann com James Stewart no elenco, mostra-se aqui revestida de um discurso de remissão do passado manchado de um homem, não sem antes haver uma jornada dolorosa para isso — e sem apelar para o perdão compensatório. McLyntock, vez ou outra, é assombrado por seu eu do passado e precisa de um grande controle para não deixá-lo vir à tona todas as vezes. A luta de um homem contra si mesmo e a jornada como ritual de mudança são os carros-chefe da psicologia do protagonista.

A história se passa em 1866 e nos mostra uma caravana de rancheiros com alguma economia a caminho do Oregon, onde pretendem comprar terras e começar uma nova vida. Guiados por Glyn McLyntock, eles chegam são e salvos à fazenda comprada, mas acabam sendo enganados posteriormente, não recebendo os mantimentos prometidos por Hendricks (Howard Petrie). É aí que a verdadeira história começa. O roteiro de Borden Chase (Winchester ’73) trabalha o início como uma introdução pacífica perto do que será a ‘segunda parte’ do filme, equalizando de maneira muito eficaz os elementos literários do livro de William Gulick, no qual se baseou.

A dinâmica para o crescimento de Portland segue a linha de qualquer cidade nascente que vemos em westerns, northerns e derivados. Um lugar relativamente pacífico vê sua população aumentar e também a chegada de pessoas interessadas em lucrar de maneira criminosa, estabelecendo o tráfico e usando de grande violência para firmar-se como controlador do local, elementos observados em obras como Uma Cidade que Surge ou mesmo Região do Ódio, além de tantos outros filmes.

Como Mann não nos mostra um xerife honesto e nem uma ação incisiva da lei para impedir tais crimes, a nossa impressão é que o diretor intentava dialogar com o lado moral de seu protagonista. Não sendo vigiado pela lei, o que um (ex)assaltante da fronteira poderia fazer? Há um momento icônico quando Red, um dos empregados temporários e futuro bandido, pergunta a McLyntock o que ele faria quando a lei os alcançasse. Ao que o seu interlocutor responde: “Que lei?”. Essa ausência de poder oficial, no entanto, não impede de McLyntock seguir o caminho honesto que escolhera para si nessa fase da vida. No outro extremo, tal situação permite a proliferação de bandidos e abre caminhos fácies para os mais diversos tipos de atividades criminosas.

O resultado final da obra é bastante positivo, mesmo que se perca um pouco na construção das histórias paralelas e fique devendo certo complemento ao enredo, desenvolvendo bem apenas algumas linhas dramáticas e apenas citando outras. Outro elemento que infelizmente se perde é a trilha sonora de Hans J. Salter (Almas Perversas), bastante propícia na abertura do filme mas que aos poucos vai assumindo um caráter demasiadamente narrativo, acompanhando de maneira incisiva cada cena relativamente importante ou qualquer espaço de jornada, diminuindo o importantíssimo papel do silêncio.

Anthony Mann mais uma vez mostra que sabe filmar paisagens a serviço da trama, explorando a jornada pelas montanhas, a travessia de rios com barco e cavalos e a localização de uma cidade num espaço entre minas e fazendas. O fato de ser um northern também ajuda na beleza acolhedora mas ameaçadora da fotografia, com os picos dos montes cobertos de neve, florestas verdejantes e águas que em pouco tempo estariam congeladas. Esse ambiente selvagem é uma espécie de componente essencial da mudança dos personagens (em comportamento e em opinião sobre os outros), um contraste com o cenário familiar que o filme alcança na cena final, com a chegada das diligências cheias de suprimentos no novo rancho e a felicidade que trazem à população local. Não havia melhor momento para o the end.

E o Sangue Semeou a Terra (Bend of the River) – EUA, 1952
Direção:
Anthony Mann
Roteiro: Borden Chase (baseado na obra de William Gulick).
Elenco: James Stewart, Arthur Kennedy, Rock Hudson, Jay C. Flippen, Julie Adams, Lori Nelson, Chubby Johnson, Stepin Fetchit, Harry Morgan, Howard Petrie, Frances Bavier, Jack Lambert, Royal Dano
Duração: 91 min.

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