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Crítica | #eagoraoque

por Rodrigo Pereira
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“Deixou de entender o povão, já era”.

A discussão sobre quais ações devem ser tomadas dentro da esquerda para seu fortalecimento não é nada inédita e muito menos recente. As eleições de 2018, porém, marcaram a ascensão de agentes políticos opostos à esquerda, com muitos integrantes da extrema-direita, inclusive. Esse cenário trouxe com ainda mais força o questionamento de qual caminho trilhar para que a esquerda volte a ter o protagonismo de outrora. A partir disso, #eagoraoque cria uma narrativa extremamente crítica a uma parcela desse espectro político.

Dirigido pela dupla Jean-Claude Bernardet e Rubens Rewald, o documentário mistura momentos de encenação com trechos de discursos em atos políticos, trazendo desde falas do músico Mano Brown até do político Guilherme Boulos. O “protagonismo”, entretanto, fica a cargo do filósofo Vladimir Safatle, que tem diversos trechos de manifestações suas na época da eleição de 2018 contrastados com debates mais recentes e algumas encenações.

Aliás, a construção da narrativa dessa forma talvez tenha sido o que mais despertou-me incômodo. A evidente (e óbvia) falta de experiência de Safatle como ator faz com que a obra beire o amadorismo em alguns momentos, principalmente ao contracenar. Ademais, isso dificulta o entendimento nas sequências das rodas de conversas e debates mais atuais, fazendo com que duvidemos se aquilo tem o caráter ficcional ou documental. Felizmente, também somos presenteados com bons momentos nesse quesito, como a cena do estande de tiro, evitando que as encenações sejam esquecíveis.

Curiosamente, a maior virtude da obra reside justamente na forma escolhida pelos diretores para filmar seu maior ponto provocativo. Ao abrir o filme com um artigo de Safatle dizendo que a esquerda tornou-se reativa, a direção coloca o filósofo como representante dessa ideia de uma esquerda que não propõe nada, somente reage às ações de adversários políticos. O debate em que Safatle é confrontado por jovens negros da periferia, por exemplo, é a materialização da pergunta: que esquerda é reativa? A constitucional, com representantes nas esferas municipal, estadual e federal, talvez o sejam, de fato, mas nem de longe são a totalidade de todo esse espectro político e suas variadas vertentes.

A montagem deixa esse pensamento explícito ao longa de toda a fita. Em um instante temos a conversa em um luxuoso apartamento, rodeado de livros, belos móveis e um piano ao fundo, entre Safatle, Bernardet e Palomaris Mathias sobre os rumos da organização popular (isso tudo enquanto uma empregada trabalha ao redor deles). Em seguida, há um corte para uma manifestação popular real, composto por discursos fortes, assertivos e gritos de ordem. É a maneira de provocar quem acredita que a esquerda só é reativa à direita e demais adversários. Para essas pessoas, integrantes dos protestos, movimentos e manifestações, a política é pauta diária e questão, muitas vezes, de sobrevivência.

Em pouco mais de 60 minutos de projeção, Bernardet e Rewald abordam a hipocrisia dos que ficam encastelados em seus imóveis bem localizados, com seus livros e grande acúmulo acadêmico, e resolvem de tempos em tempos encontrarem o povo que tanto dizem defender para simplesmente guiá-los, como se fossem verdadeiros Messias. Para quem é obrigado a se organizar para sobreviver, a política não tem nada de reativa.

#eagoraoque – Brasil, 2020
Direção: Jean-Claude Bernardet, Rubens Rewald
Roteiro: Jean-Claude Bernardet, Rubens Rewald
Elenco: Vladimir Safatle, Jean-Claude Bernardet, Palomaris Mathias
Duração: 70 min.

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