Home Diversos Crítica | Easy Rawlins – Livro 1: O Diabo Vestia Azul, de Walter Mosley

Crítica | Easy Rawlins – Livro 1: O Diabo Vestia Azul, de Walter Mosley

por Luiz Santiago
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No final de 2020 eu mergulhei em um mar de romances policiais e livros de suspense, voltando com tudo a um dos meus gêneros literários favoritos. Dentre os autores, ambientes e personagens que eu mais fiquei ansioso para conhecer estava Ezekiel “Easy” Porterhouse Rawlins, personagem de Walter Mosley que fez a sua estreia nesse pequeno livro lançado em 1990: O Diabo Vestia Azul. Juntamente com O Caminho da Bênção, de Tony Hillerman, O Diabo Vestia Azul me chamou atenção pelo fato de apresentar um tipo diferente de protagonista-detetive, nesse caso, um homem negro de 1948 que voltou da 2ª Guerra Mundial e agora se vê sem emprego e com a hipoteca de uma casa para pagar.

A forma como Walter Mosley inicia o livro é simplesmente deliciosa. Não demora para que o leitor sinta a atmosfera da época retratada e seja inserido nesse período pela maneira realista com que o autor escreve os diálogos. O uso de gírias e palavras facilitadoras nas conversas do dia a dia aparecem aqui o tempo inteiro e tornam esses personagens, ao menos no aspecto da linguagem, bastante compreensíveis, mesmo no retrato de uma outra cultura, representando uma verdadeira “alma americana noir“.

A introdução de Easy Rawlins é bastante cativante porque o personagem é desconfiado e não sai aceitando propostas questionáveis só porque um “conhecido de um conhecido” lhe oferece um emprego fácil. Desde os primeiros parágrafos o autor descortina as inúmeras diferenças de tratamento e manifestações de racismo que ocorrem em torno de Easy, e este é um dos pilares do livro, a maneira como esse recorte da sociedade americana trata um homem negro desempregado, que serviu ao país na guerra e que está fazendo um “trabalho de detetive” para tirar alguns trocados. Claro que num primeiro momento a ação de Easy está mais para “um trabalho sujo”, mas a condução do livro empurra o personagem do pleno amadorismo para a área da investigação, propriamente dito.

Embora o protagonista não tenha assim uma gigante carga de aprofundamento, nós o conhecemos relativamente bem na primeira metade da obra, antes de o autor bagunçar a narrativa com coisas que, ao cabo, não servem para nada. Durante toda a leitura eu fiquei me perguntando o que de grandioso estaria escondido no bloco de Daphne Monet, a femme fatale que veste azul, sendo, portanto, o motivo do título do livro. Ela gosta de clubes de jazz, tem fetiche por homens negros e tem um pequeno segredo que coloca Easy em seu encalço, destravando aquela que será a grande intriga do livro. O problema é que o autor cria uma enorme expectativa para a segunda parte, joga muita responsabilidade para Daphne e tudo acaba sendo apenas “um ato impensado” ou coisa que o valha.

Em adição a isso, temos o fato de que apenas Easy ganha uma verdadeira camada que o faça ser relevante como personagem (também… pudera, um vez que ele é o protagonista!). As pessoas ao seu redor são todas muito superficiais e sem muita coisa que os façam destacar-se. Imaginei que o autor estava deixando o entorno mais raso para poder aprofundar-se melhor em Easy e Daphne, mas apenas Easy é quem recebe o mínimo de atenção, enquanto a mulher torna-se um recurso que move a trama, mas não faz jus a tudo o que ocorreu para que o personagem chegasse até ela.

No geral, eu não consegui me conectar com a segunda parte de O Diabo Vestia Azul. Há uma certa bagunça em termos de foco da história e no direcionamento de personagens, além do fato de o autor explicar alguns braços do mistério de uma maneira que nos deixa com a seguinte interrogação “ué, era só isso?” ou… “mas como isso se liga à história toda?“. Ao menos o elemento cíclico que encerra o volume é de grande valia para que o protagonista se firme como um detetive. Esse é o seu trabalho agora e há uma dose simpática de diálogos para mostrar essa nova ocupação, deixando-nos esperando por mais. O quê, exatamente, não consigo dizer com precisão.

O Diabo Vestia Azul (Devil in a Blue Dress) — EUA, 1990
Autor: Walter Mosley
Publicação original: W. W. Norton & Company
No Brasil: Cia das Letras, 1994
273 páginas

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