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Crítica | Echolands – Vol. 1: Hope’s Crucible

Extrapolando o formato paisagem nos quadrinhos.

por Ritter Fan
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Quando eu me deparo com uma HQ no formato paisagem, dois sentimentos conflitantes me invadem. O primeiro é a irresistível vontade de ler qualquer quadrinho nesse formato por sua raridade, complexidade de se desenhar e distribuir espacialmente a narrativa e assim por diante. O segundo é o medo que a alteração na “ordem normal das coisas” seja, apenas, um truque, um artifício usado por seus criadores para atrair desavisados como eu que se encantam meramente pelo conceito da coisa. Tendo lido The Private Eye e Barrier, ambos de Brian K. Vaughan, aguardava há algum tempo uma oportunidade de mergulhar em uma história “na horizontal” e Echolands veio para suprir essa falta.

Minha surpresa, porém, foi constatar que a série mensal criada e escrita em parceria por J.H. Williams III e W. Haden Blackman, em um projeto que gestava há algo como 15 anos, não é “apenas” no formato paisagem, mas sim em formato panorâmico, ou seja, “dupla paisagem”, com cada duas páginas deitadas formando um gigantesco painel em ultra-widescreen. Nunca havia visto algo assim e mergulhei imediatamente na publicação com toda a intenção de ignorar solenemente o roteiro, se ele fosse ruim ou mesmo apenas fraco, para apreciar com toda a calma possível a incrível técnica de J.H. Williams III na arte, com cores de Dave Stewart e letras de Todd Klein.

Por sorte, porém, a história é sólida e, mesmo que esse começo seja muito claramente um arco para estabelecer premissas, construir personagens e apresentar esse novo mundo (o futuro distante da Terra? uma dimensão alternativa? pouco importa, na verdade!) ao leitor. A premissa nesse início, portanto, é simples, quase mundana: Hope Redhood, uma jovem mulher com um vasto poder, chamado de “vermelho”, que ela não sabe controlar, rouba uma joia em formato triangular do todo-poderoso e temido mago Teros Demond que manda sua superpoderosa filha ao seu encalço. Depois de uma pancadaria inicial, Hope junta-se a um grupo sobrevivente de seus amigos e ele fogem desesperadamente.

Digo que a premissa é simples, porque ela precisa ser simples mesmo. Tentar algo mais complexo logo de cara como o magnífico O Último Deus: Livro I das Crônicas de Fellspyre, somente para usar um exemplo recente do mesmo tipo de história de jornada épica em um mundo de fantasia, poderia conflitar com a arte, em um daqueles raros momentos em que a forma precisa ser privilegiada em relação à substância. Mas, não se enganem. Há substância. Pode não chegar nunca ao nível do que Phillip Kennedy Johnson fez na citada obra publicada pela DC Comics, mas é fácil entrever que a dupla criativa construiu uma história ampla, detalhada e rica que vai aos poucos – bem aos poucos – sendo desvelada. O ponto é que, pelo momento, a arte era mais importante.

E não dá para dizer que o trabalho artístico de J.H. Williams III é menos do que absolutamente espetacular. Como mencionei acima, trata-se de um mundo de fantasia, mas não um com regras pré-determinadas ou homogêneo. O que o artista fez foi abrir completamente a caixa de areia que ele tinha para brincar e fez de Echolands uma espécie de amálgama de estilos que, por sua vez, são inspirados pelas artes de diversos outros artistas importantíssimos para a Nona Arte. Existe, claro, um veio específico para Echolands, ou seja, uma escolha de estilo que serve de cola visual e este é o estilo detalhado e realista (no contexto, obviamente) que caracteriza Hope, seu amante gigante Cor e, em pinceladas gerais, todo o mundo ao redor dos dois, inclusive os vilões. Mas, talvez lá de longe inspirado na mais do que vulgar série A Casa Animada (Drawn Together), só que obviamente com muito mais sofisticação, o que J.H. Williams III faz é desenhar cada personagem – ou grupo de personagens – no estilo de suas características. Calma, que eu explico.

Peguemos a vampira Rosa, que culpa Hope por toda a desgraça por que eles passam e por todas as mortes de seus amigos, como principal exemplo. Ela é da raça dos “dracs” e é desenhada como as HQs de monstros dos anos 40, 50 e 60, ou seja em preto e branco e traços mais crus e simplificados, quase que “apagados”. O mesmo vale para os “steins”, cujo nome já dá a pista do que eles são, claro. Ao lado de Rosa, há Castrum, um refugiado de Nova Chicago que é, para todos os efeitos, um gângster arquetípico desenhado ao estilo do Dick Tracy, de Chester Gould. Romulus, que entra na história ligeiramente mais para a frente como um ex-amante traído de Hope, é claramente um personagem extraído diretamente do Quarto Mundo ou dos Eternos, de Jack Kirby. E assim a coisa continua, com até mesmo uma nova região inteira, em uma história paralela, homenageando os filmes e animações japoneses de robôs gigantes. Ou seja, além de tudo, Echolands é uma belíssima homenagem aos próprios quadrinhos e aos grandes nomes e estilos que serviram de base para eles.

No entanto, essa aparentemente disparidade estilística encontra, na obra como um todo, uma surpreendente homogeneidade. Não há nada que realmente retire o leitor da imersão narrativa necessária para a história funcionar. Aceitamos com bastante facilidade o que nos é colocado à nossa frente graças a um trabalho cuidadoso, detalhado e – não é um adjetivo negativo da forma como quero usá-lo – completamente tumultuado. Esse “tumulto”, essa “confusão” nas páginas panorâmicas é da essência da HQ e ela funciona muito bem se o objetivo do leitor for mais do que apenas passá-las adiante rapidamente. Cada uma das páginas precisa ser apreciada, estudada e contemplada, pelo que duas leituras se fazem necessárias aqui, uma para um apanhado geral, outra para degustar cada gigantesco painel e como o artista conseguiu dividi-los organicamente de forma a realmente contar a história sem tirar a característica de mural que cada página dupla horizontal tem.

O primeiro arco, Hope’s Crucible, deixa aquele gosto de quero mais, até porque J.H. Williams III e W. Haden Blackman pouco realmente desenvolvem os personagens e a história macro aqui. Vemos um pouco do futuro, aprendemos um pouco sobre Hope e sobre seus amigos, mas nada ainda muito profundo. Suspeito, porém, que a profundidade virá. Pelo momento, a arte mais do que compensa qualquer consideração sobre roteiro que possa ser feita.

Echolands – Vol. 1: Hope’s Crucible (EUA, 2021/22)
Contendo: Echolands #1 a 6
Roteiro: J.H. Williams III, W. Haden Blackman
Arte: J.H. Williams III
Cores: Dave Stewart
Letras: Todd Klein
Editora original: Image Comics
Data original de publicação: 29 de setembro de 2021 a 02 de fevereiro de 2022
Páginas: 198

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