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Crítica | Efeito Borboleta

por Lucas Borba
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Efeito Borboleta poderia ser só mais uma história sobre viagem no tempo, mas não o é pelo tratamento dado à sua narrativa. Apesar da ótima recepção do público -– ainda que, no Brasil, sequer tenha sido exibido nos cinemas, ao contrário das sequências muito inferiores e com outros diretores –, foi vítima de uma análise preguiçosa da crítica especializada, talvez pela trama com um bando de adolescentes, conduzida por uma equipe de produção pouco empolgante num gênero tão exigente quanto o da ficção científica. Aqui, temos o melodrama pelo qual muitos de nós passamos distraídos e um roteiro brilhante em sua vagarosidade, minúcia e sensibilidade.

O referido melodrama, aliás, em nenhum momento soa piegas ou exagerado. Um dos pontos de falha de análise é justamente esse: Efeito Borboleta também é uma história sobre um amor obsessivo. Entre tantos tópicos abordados, os diretores conseguem retratar esse amor com sutileza, sem irritar em nenhum momento, apresentando-o em ações dinâmicas, não em desamparo desmedido.

Uma das grandes sacadas do longa, feito que nenhuma das sequências chega remotamente perto de repetir, é o engenho com que alia a apresentação das regras e do recurso implicados em viajar no tempo ao elemento humano. Esse artifício é a chave, o grande segredo que manteve tantos expectadores absolutamente hipnotizados para o que se passa na tela ao longo de toda a fita. Podemos dividir esse engenho em três pontos.

Primeiro: mesmo para quem sabe, pela sinopse, que a história envolve viagens no tempo, leva cerca de uma hora para que elas se apresentem claramente no desenrolar dos acontecimentos. Enrolação? Roteiro perdido? Não. Esse é o tempo que o filme “gasta”, por assim dizer, na humanização, no relato de parte da infância e juventude dos personagens centrais e de trágicos eventos que os envolvem. De fato, a presença da tragédia, não uma, mas várias vezes, desde a introdução do longa, constitui parte da imensa perspicácia desta obra, que vê na representação bem construída do traumático, principalmente em mais de uma ocasião, no mínimo um dos métodos mais eficazes para que o público crie um vínculo fortíssimo com as peças principais e, no caso, em especial com o protagonista. Assim, essas peças logo se tornam pessoas com identidades, com imagens gritantes de um referencial de vida para o expectador, adolescentes com os quais logo passamos a nos importar, para o bem ou para o mal.

De início, vemos o protagonista, Evan Treborn, aos sete anos (Logan Lerman). Descobrimos que ele é criado pela mãe, que o pai está doente e que ele tem um cachorro, tudo isso já no primeiro minuto (sem contar o prólogo). Além da apresentação dos melhores amigos de Evan — incluindo o seu futuro amor obsessivo –, começamos a nos deparar com uma série de elementos que, tamanha a distração que causam, tendem a logo fazer esquecer qualquer menção a viagens no tempo. Um desenho bizarro feito pelo pequeno Evan e denunciado por uma professora; a mãe flagrando o menino, sozinho, segurando uma faca; apagões de memória da criança em alguns dos tais eventos traumáticos, um pai aparentemente louco e imprevisível… tudo isso pode nos fazer crer, à primeira vista, que estamos diante de um filme de terror.

O tempo passa, conhecemos Evan aos treze anos (John Patrick Amedori) e o mistério só cresce com a persistência dos apagões em momentos muito específicos, ainda mais após a genial sequência de uma hipnose mal sucedida. O incrível é que, dados os momentos traumáticos nos quais se configuram os apagões, pode-se perfeitamente atribui-los ao próprio trauma, sem que uma teoria fantástica tenha de se fazer presente. Efeito Borboleta, aliás, até em sua conclusão não deixa de abrir margem para mais de uma interpretação acerca de seus eventos.

Finalmente, somos apresentados a um Evan com vinte anos (Ashton Kutcher). Há quem diga que a repetição dos números sete e treze nas fases destacadas da vida do personagem foi proposital, representando a mudança, o fechamento de um ciclo, entre outras coisas. Seja como for, é neste ponto, já adulto, que o grande dom de Evan, estudante prodígio de psicologia, é revelado. Só que isso também ocorre aos poucos.

Não por acaso, Evan se volta ao estudo da memória e, quando reencontra seus diários de infância, nos quais escrevia por recomendação médica na tentativa de evitar os apagões, descobre que, ao ler certos trechos, aparentemente é capaz de recuperar o que perdeu durante os tais apagões. Evan duvida da autenticidade das lembranças e, na tentativa de confirmá-las, procura pelo amor de juventude, Kayleigh (Amy Smart). O reencontro não sai como o esperado, rendendo uma sequência forte, com boa performance de Smart e, adivinhe, mais uma distração, sem falar na posterior consequência de tal reencontro.

Chocado, Evan volta aos seus diários e à suposta recuperação de lembranças. Daí, em uma sequência que muitos consideram confusa -– adivinhe, tanto quanto o é para o próprio protagonista –, tem-se a grande revelação. Voltamos ao Evan de sete anos, durante um de seus apagões no porão de uma casa. Só que, dessa vez, ele não apaga coisa nenhuma, mas começa a falar feito um possuído com o pai de Kayleigh, intimidando-o, ameaçando-o. E quando, mais uma vez, pensamos estar diante de um filme de terror, o cenário se desmaterializa, Evan mergulha em um turbilhão de lembranças e retorna a um presente diferente daquele em que vivia antes.

Chegamos assim ao segundo ponto do grande engenho da obra: Evan descobrindo seu suposto dom e sua identidade, ainda que com certo atraso, como alguém em plena puberdade: lentamente, com dúvidas e insegurança, aliando-se a isso o fantástico e, claro, o científico. Repare, então, que com a revelação do dito dom de Evan, mudar o passado e, consequentemente, o presente a partir daquilo que o consciente desconhece — e que, portanto, deixa justamente margem para qualquer mudança –, a força e a peculiaridade de tudo o que vimos antes fazem com que essa reviravolta tenda a nos pegar totalmente desprevenidos.

O que nos leva ao último ponto do grande engenho. Mergulhamos, enfim, nas sucessivas tentativas de Evan para adequar seu presente mudando o passado. Vemos o rapaz falhar repetidamente, as experiências que vive a cada falha, suas novas identidades criadas perante a sociedade, bem como as novas identidades dos que o cercam; vemos Evan passar do príncipe ao mendigo, daquele que humilha ao humilhado – realidade com a qual o próprio personagem, a certa altura, passa a brincar -; o vemos afundar numa bola de lama que parece não ter volta – ainda que, interiormente, ele talvez cresça a cada experiência – e, principalmente, vivemos com ele cada momento, cada esperança, angústia e frustração, porque então, mais do que nunca, nos importamos feito loucos com o personagem graças à sua história recheada de tantos acontecimentos turbulentos e interessantes.

Outra falha gritante na preguiça da crítica diz respeito à trilha sonora, realmente maravilhosa, o tipo de trabalho que de fato conta a história em conjunto com os demais elementos audiovisuais. A composição de Michael Suby chega ao ponto de orquestrar um som que lembra um enxame de insetos a cada viagem temporal de Evan, artifício que gera um efeito marcador e dialético realmente impressionante.

É importante alertar que Efeito Borboleta tem um final alternativo, que, segundo consta, é preferido dos diretores Eric Bress e J. Mackye Gruber, até então conhecidos por seu trabalho em Premonição 2. Obviamente, há quem discorde, mas aqui defende-se ferrenhamente que, por sorte, o preferido não foi o escolhido. Inquietante, diferente, sem apelar para uma solução tão fácil, que implica em viver com marcas de um sacrifício, o final original é a cereja do bolo. Para quem desejar conferir o final alternativo, no entanto, este está disponível nos extras do DVD original.

Não é difícil entender porque Efeito Borboleta foi desvalorizado pela crítica. Compreender, contudo, é outra história. Projeto ambicioso de roteiristas tidos como inexperientes, com um elenco esforçado, porém não grandioso, felizmente teve o reconhecimento merecido pelo grande público, arrecadando mais de duzentos milhões em bilheteria.

Não parece por acaso que, após tanto tempo calados, os diretores tenham anunciado seus movimentos para uma refilmagem, ainda em 2013. Inconformismo? Melhorias? Esperemos que, se o forem para a crítica, de preferência também o sejam para o grande público. Na pior das hipóteses, o fracasso de uma nova versão pode abrir mais olhos para a original, sem dúvida uma das viagens mais fascinantes de todos os tempos.

Efeito Borboleta (The Butterfly Effect) — EUA, 2004
Direção: Eric Bress, J. Mackye Gruber
Roteiro: J. Mackye Gruber, Eric Bress
Elenco: Ashton Kutcher, Melora Walters, Amy Smart, Elden Henson, William Lee Scott, John Patrick Amedori, Irina Gorovaia, Kevin G. Schmidt, Jesse James, Logan Lerman, Sarah Widdows, Jake Kaese, Cameron Bright
Duração: 113 min.

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