Com projeto editorial encantador, como geralmente encontramos nas publicações da Darkside, um deleite para leitores do segmento “terror”, Ela e o Monstro, escrito por Linda Bailey e ilustrado por Julia Sardà, é uma obra intrigante que oferece uma visão aceitação e enfrentamento de medos para os interessados numa iniciação no universo da escritora Mary Shelley e da narrativa que marcou para sempre a sua história: o romance Frankenstein. Publicado em 2019, o material combina uma sensibilidade com ilustrações fascinantes, nos permitindo uma experiência rica e envolvente, atraente tanto para crianças quanto para adultos. O texto, para os mais exigentes, pode ser fraco, mas entrega uma jornada diferenciada e lúdica para todas as idades. O foco aqui, como de qualquer proposta ilustrada, é a entrega de imagens fascinantes, mesmo que sua temática trafegue pelo tenebroso ambiente do horror. A narrativa gira em torno da história de uma menina que vive em um vilarejo cercado por flores e luz, mas cujo coração é constantemente sobrecarregado por um sentimento de solidão. O tom melancólico da história é imediatamente estabelecido, indicando que, por trás da beleza superficial do cenário, existe uma batalha interna que a protagonista enfrenta. A solidão é um tema íntimo e universal, que ressoa em leitores de todas as idades e que é explorado com profundidade por Bailey ao longo da obra.
A relação da menina com o monstro, que representa seus medos e inseguranças, é central para a narrativa. O monstro não é descrito apenas como uma criatura terrível, mas também como uma personificação das questões emocionais com as quais a protagonista luta. É uma dinâmica que nos revela uma mensagem poderosa: muitas vezes, o que tememos não é apenas algo externo, mas uma parte de nós mesmos que é difícil de aceitar. Essa representação é uma abordagem inovadora para explorar os medos infantis, pois permite que os jovens leitores reflitam sobre suas próprias experiências e sentimentos. E as autoras são muito eficazes na abordagem de temas tão complexos por meio de uma exposição bastante fincada na sensibilidade. Outro aspecto relevante da obra é a forma como a autora constrói a evolução da relação entre a menina e o monstro. Inicialmente, a interação é marcada pelo medo e pela repulsa, mas ao passo que a narrativa avança, a conexão entre os dois se transforma. Orgânica, a transição é cautelosa e bem elaborada, refletindo a jornada emocional da protagonista enquanto ela aprende a entender e aceitar “o monstro” que ela concebeu como uma parte de si mesma.
As ilustrações de Julia Sardà complementam perfeitamente a narrativa de Bailey, trazendo a história à vida de uma maneira semiose assertivamente imaginativa. Sardà utiliza uma paleta de cores suave e uma arte delicada que destaca a dualidade entre a luminosidade do mundo da menina e a escuridão do monstro. E o interessante na publicação é a concepção das imagens não apenas como suporte visual, mas como uma manifestação artística que expressa as emoções complexas que as palavras muitas vezes não conseguem expressar. O contraste entre os elementos visuais, isto é, a juventude vibrante da menina em paralelo ao que é sombrio na figura do monstro, conteúdos que enfatizam a luta interna da escritora Mary Shelly com seu contexto de opressão feminina, instabilidade familiar na ausência de uma figura materna que ela conhece apenas pelo legado acadêmico deixado. Além de sua temática centrada na aceitação, Ela e o Monstro é uma publicação que também promove lições sobre empatia, uma palavra-chave do contemporâneo, além de um breve, mas profícuo debate sobre a importância das conexões humanas, outra questão bastante debatida na atualidade.
No delicado livro, o leitor é incentivado a considerar como a aceitação mútua pode levar à cura e à compreensão. E isso não é papo barato de “coach”, combinado? É bálsamo para a nossa dura realidade. Ao longo das páginas, as autoras abordam questões emocionais de forma acessível, tornando-o um recurso valioso para pais e educadores que desejam conversar, por exemplo, sobre temas de saúde mental com as crianças. As lições de enfrentamento e aceitação que emergem do texto são particularmente oportunas em um mundo onde os jovens enfrentam crescente pressão e ansiedade. Através da figura do monstro, as crianças podem aprender que o medo e a insegurança são sentimentos normais e que todos têm suas próprias batalhas internas. Em linhas gerais, caro leitor, a jornada da protagonista, lidando com suas inseguranças e formando uma conexão inesperada com o monstro, é um reflexo das experiências humanas universais. A combinação da escrita delicada de Bailey e da arte impressionante de Sardà cria uma narrativa que não apenas entretém, mas também ensina e incentiva a empatia e a aceitação.
Ela e o Monstro (Mary Who Wrote Frankenstein) — Reino Unido, 2018
Autor: Linda Bailey
Tradução: Nilsen Dantas
Ilustrações: Julia Sardà
Ano original de publicação: 2018
Editora no Brasil: Darkside Books (Coleção DarkLove)
Ano de publicação no Brasil: 2020
Páginas: 56 (edição nacional atual)