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Crítica | Ela Vai Ter um Bebê

por Iann Jeliel
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Ela Vai Ter um Bebê

John Hughes abandona o universo adolescente e as comédias familiares para ir a uma comédia romântica estruturalmente diferente da habitual, pois seu principal foco acaba não sendo tanto a construção simpática do romance, mas a dramática conflituosa do protagonista em seguir ou não uma vida monogâmica com sua paixão da adolescência. Em outros filmes, Hughes já meio que havia se posicionado nesse tema, apesar de ser o expoente na venda do sonho adolescente de curtição sem responsabilidades, o cineasta acreditava muito nele como ponte para que a monogamia futura não perdesse seu estímulo. Isso fica bastante claro em cada um de seus casais, que se formam dentro do contexto de solteirice com esse desejo mútuo de compartilhamento de uma vida juntos. Ela Vai Ter um Bebê pode simbolicamente representar a continuidade de cada um desses casais adolescentes formados em seus filmes agora na vida adulta, que sempre foi duramente criticada pelo diretor por estar presa a certas sistemáticas. Aqui, apesar de ter a vista crítica procedural, Hughes ressignifica um pouco de sua visão pessimista da vida adulta.

Até isso acontecer, a história narrada por Jake (Kevin Bacon) melancoliza a condição de casado constantemente, além de criar flertes fantasiosos com idealizações da mente do personagem sobre o que ele está perdendo na vida de solteiro. Eu não diria que existe exatamente um conflito de indecisão dele por parte do que quer, apenas uma resistência de não cair na tentação de fugir do compromisso que assumiu. Ou seja, o romance aqui é inicialmente sustentado por uma pressão social, o que dá um direcionamento aparentemente claro à narrativa. Se ela escolhe o ponto de vista principal de Jake, deveria sustentar esse drama de sua condição de não estar realmente feliz com aquilo que está vivendo. No entanto, como dito, isso será ressignificado, o personagem que é até mencionado como “infantil”, um adulto com mente de criança, passará por um processo de amadurecimento e aprenderá a valorizar aquilo que estava sendo um martírio para ele. O problema é que o filme nunca mostra na prática cenas que corroborem para que esse processo do casal seja autêntico e se diferencie do forçado modo de vida adulta que a lente de Hughes continua a capturar durante toda a projeção.

Parece um filme contraditório, mas na verdade é só mal-desenvolvido nas duas frentes que aborda. A limitação de ter somente o ponto de vista de Jake é um problema, porque dentro da errática que ele pensa de sua condição, sua esposa Kristy (Elizabeth McGovern) é de algum modo vilanizada com o rótulo de “fresca” e manipuladora. Se tivesse o seu ponto de vista síncrono, por exemplo, em todo molde do drama envolvendo a gravidez – que apesar do título indicar, somente ganha destaque da metade para o final do filme – sua atitude de parar de tomar anticoncepcional de uma hora para outra, sem sequer conversar com Jake sobre o assunto, seria compreendida no momento certo. Da forma como foi posicionada, ainda no clima pessimista e crítico das obrigações adultas, fica a impressão de que Kristy era a vilã e que estava fazendo de tudo para continuar a prender Jake no senso de comprometimento, até mesmo enganar no prazer, quando começa a tomar a atitude na vida sexual somente pelo suposto interesse de ter um filho.

Não dá para saber as motivações dela no olhar do outro, até daria se Ela Vai Ter um Bebê se concentrasse no olhar dos dois como casal, mas há pouquíssimas cenas para conhecermos um pouco da dinâmica que fez com que eles se apaixonassem para justificar manter isso no final. Fica bem difícil comprar o amadurecimento de Jake vindo da boca da loira que ele criou em sua mente como mulher dos sonhos, ou acreditar no senso real de comprometimento de Kristy (dentro do ponto de vista de Jake) só pelo fato de ela não o ter traído com Davis (Alec Baldwin), que pela ambiguidade colocada no filme, ambos se gostavam previamente, mas não necessariamente não se correspondam também no agora. Kristy não ficou com Davis pelo mesmo motivo que Jake continuou com Kristy? Se os dois estavam presos nesse forçado senso de comprometimento, também fica difícil acreditar que só o momento de quase morte de Kristy no parto ao final do filme seja suficiente para ter convencido ambos do que realmente queriam. Pode até ser que sim, mas dentro do raso desenvolvimento disso no filme, não parece ser verossimilhante.

Principalmente porque há cenas, como a ótima da dança dos vizinhos no jardim, que ironizam o próprio modelo de vida que o casal se verá depois do filho, ou seja, é como se Hughes ao final meio que normatizasse esse modelo como inevitável. Então, por que não procurar o lado bom dele? Faltou ao diretor mostrar qual o lado bom durante o filme, porque é somente quando ele acaba que sua sensibilidade humorística entra nesse ponto. A melhor cena de Ela Vai Ter um Bebê são as várias inserções aleatórias de personalidades (tem até Bill Murray no meio) que dão sugestões de nomes para a criança do casal. Um momento simples, mas que realmente é enxergado com valor pela câmera do diretor. Talvez seja nisso mesmo que ele acredite: que o propósito de cuidar de uma nova vida seja o único sustentáculo verdadeiro numa relação monogâmica que sobrevivia forçadamente. Agora, para dizer que isso é bom, depois de tudo o que foi apresentado, John Hughes desafiou demais o senso de inocência do público, ainda que seu ponto dúbio e complexado do assunto teve suas intenções devidamente passadas.

Ela Vai Ter um Bebê (She’s Having a Baby | EUA, 1988)
Direção: John Hughes
Roteiro: John Hughes
Elenco: Kevin Bacon, Elizabeth McGovern, Alec Baldwin, James Ra, Holland Taylor, William Windom, Cathryn Damon, Reba McKinney, Bill Erwin, Paul Gleason, Dennis Dugan, John Ashton, Larry Hankin, Edie McClurg, Nancy Lenehan
Duração: 105 minutos

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