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Crítica | Em Um Ano de 13 Luas

por Luiz Santiago
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[…] pena que você não é uma garota.

Ao terminar a sessão de Em Um Ano de 13 Luas — também grafado como Num Ano de 13 Luas , o espectador, de coração partido pelo final patético de Elvira/Erwin (Volker Spengler, em um magnífica atuação), só consegue chegar à conclusão de que este é, possivelmente, o filme mais cruel de Rainer Werner Fassbinder.

Primeiramente nos vem à mente o desalento e desamor de Eu Só Quero Que Vocês me Amem (1976), certamente um dos títulos dessa lista “Fassbinder cruel”, mas 13 Luas consegue superar, e muito, a dor descrita no filme de 76. O roteiro, baseado em uma peça do próprio diretor, é a crônica de uma travesti cuja história de vida e transformação é inteira e moralmente… revoltante. Não consigo pensar em uma palavra que confira melhor verdade ao sentimento que o diretor nos faz ter quando, depois da primeira hora de projeção, descobrimos o misterioso acontecimento que envolve o protagonista e a cidade de Casablanca — ironia das mais ácidas ao refigurar o cenário do clássico filme de Michael Curtiz.

A origem de Em Um Ano de 13 Luas é a mais pessoal de toda a filmografia de Fassbinder. O cineasta começou a rodá-lo logo após o suicídio de seu namorado, o ator Armin Meier, com quem trabalhou em 8 filmes, de A Viagem de Mãe Küster para o Céu (1975) a Despair – Uma Viagem Para a Luz (1978). Como se não bastasse, além de dirigir e escrever o roteiro de 13 Luas, Fassbinder também o produziu, fez a direção de fotografia, a direção de arte e a montagem. E, talvez mais importante, o diretor executou aqui a sua obra mais honesta sobre o que imaginava a respeito de relacionamentos, vida social, trabalho, amizades, arte, fama, desejo, sexo e sexualidade. Uma obra-prima narrativa e estética cuja motivação original foi uma tragédia — não obstante, o diretor fala abertamente sobre suicídio na fita.

Ambientado em uma sociedade regida pela geração pós-Hitler e pondo em cena um complexo estudo sobre a condição do transgênero em qualquer instituição, o roteiro disseca a alma de Elvira/Erwin desde a abertura, com um toque de Luchino Visconti que inicia com um flerte e termina com um espancamento. Daí em diante, o diretor trará símbolos de seus filmes anteriores como Martha (1974) e O Direito do Mais Forte é a Liberdade (1975), além das outras obras já citadas. O vampirismo social que sempre é escancarado em suas obras pode ser visto em todo o espaço social em torno de Elvira/Erwin, não dando oportunidade para que tenha um mínimo de felicidade — todos os ensaios nessa direção terminam em ironia ou sátira, cujo ponto máximo e dadaísta aparece na sequência que reproduz a marcha de um filme de Dean Martin e Jerry Lewis, O Meninão (1955).

Escavando o subconsciente do espectador através da trilha sonora sensível (original e incidental, com A Song For Europe, Frankie Teardrop e o Adagietto a 5ª Sinfonia e Mahler tocando nos momentos mais lancinantes), mudando o sentido de temas sonoros como o da trilha de Amarcord (1973) e trechos de Nós Não Envelheceremos Juntos (1972), de Maurice Pialat, Fassbinder cria uma cascata de sentimentos sobre uma pessoa solitária e abandonada. E através da forma do filme — notadamente um de seus mais escrupulosos trabalhos artísticos, porém, sem luxo algum — nos faz mergulhar em dois dias da vida de Elvira/Erwin, uma duração de tempo ressignificada pelo diretor nas datas que vemos na abertura, 24/07/1978 e no desfecho do longa 28/08/1978, que marca justamente o período em que as filmagens aconteceram. Ou seja, o roteiro acompanha penas 2 dias na vida do protagonista, mas o longa (agora visto de fora) dialoga com o seu real tempo de produção, quase uma piscadela do diretor para a relação entre o mundo tenebroso da personagem e as suas próprias trevas, como o artista que olhava para aquele abismo. O seu abismo.

Em Um Ano de 13 Luas é um labirinto difícil de se percorrer. Alguns espectadores podem se sentir afastados pela sequência do matadouro, realmente repugnante, mas perfeitamente justificada na construção da personalidade de Elvira/Erwin, ou com as narrações out. Todavia, é preciso entender justamente o que coloquei no início desse parágrafo: o labirinto que o diretor está construindo. Ele força seu protagonista a encontrar alguma saída, ou pelo menos uma indicação de que tudo ficará bem, que o labirinto é apenas um estágio passageiro de sua existência, mas rapidamente retira a possibilidade de escape. A única fuga é aquela que vemos na cena final, com uma narração cortante, gravada de improviso com Fassbinder fazendo perguntas espontâneas para Volker Spengler e o ator respondendo dentro do personagem.

Dotado de uma beleza crua, cheio de cores quentes e opressivas (a exemplo de Querelle) e dirigido com primazia, Em Um Ano de 13 Luas não é só um dos filmes-chave e mais cruéis de seu diretor, mas também um dos grandes ensaios dramáticos sobre desejo, pulsões sexuais, hipocrisia social e o disfarçado vampirismo daqueles que estão ao redor. Um filme tremendamente pessimista, sombrio e frio (mais frio que a morte), retratando alguém que só queria ser visto, entendido e respeitado como pessoa. A vida de alguém que simplesmente queria existir.

Em Um Ano de 13 Luas (In einem Jahr mit 13 Monden) — Alemanha Ocidental, 1978
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder
Elenco: Volker Spengler, Ingrid Caven, Gottfried John, Elisabeth Trissenaar, Eva Mattes, Günther Kaufmann, Lilo Pempeit, Isolde Barth, Karl Scheydt, Walter Bockmayer, Peter Kollek
Duração: 124 min.

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