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Crítica | Ema

por Kevin Rick
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Uma performance de palco hipnotizante com um pano de fundo que se assemelha a um sol explodindo e a um óvulo fecundando. Um semáforo pegando fogo indicando que não existem paradas ou pausas. Apresentações de dança absurdas com movimentações impulsivas e agressivas. Orgias; traições; hostilidade física e verbal; cicatrizes carnais e emocionais. O mundo em Ema é puro e simples caos; é balbúrdia. E, como o título diz, é o mundo de Ema (Mariana Di Girolamo), nossa protagonista narcisista e anárquica que se move através do reggaeton, um estilo musical que normalmente valoriza a luxúria e a violência, como a personificação irrefreável de pandemônio.

Logo, como o cineasta Pablo Larraín quer criar um estudo de personagem caótico, que torna seu mundo caótico, a imagem em Ema está sempre explodindo em fúria vibrante. Cada figurino, penteado e cenários são um espetáculo de cores pulsantes. Por exemplo, quando há sexo, o visual é basicamente um neon erótico, como se estivessem debaixo de luzes de boate, com um tom fantasioso, tanto na montagem de orgia quanto no viés onírico dado a Ema quando imagina vários parceiros, que criam uma romantização do devasso – sempre pensando no olhar de mundo da protagonista. Quando há dança, sempre simbolicamente uma liberdade de corpos humanos com a coreografia lasciva, a câmera de Larraín se torna o meio de um videoclipe, até quase um “musical” dançante latino que fraciona a continuidade objetiva da trama, afinal, até a narrativa é caótica.

É curioso como que, apesar de parecer ser uma obra sobre liberdade transgressora, o que temos indicado na narrativa é a falsa liberdade dos personagens secundários que estão sendo controlados por Ema, seja através de sexo, mentiras ou sua autopiedade fingida. Como seria uma história sobre liberdade ou independência se nossa protagonista é uma individualista hipócrita? Não, Ema é sobre manipulação. A personagem-título está sempre à espreita, olhando e calculando as palavras e ações de personagens por trás deles, observando pessoas a sua volta, conquistando-as, enfraquecendo-as; sempre com um olhar penetrante e vigilante. Ela é uma predadora. O mundo anárquico, em chamas como ela adora colocar, é seu habitat. E os outros? Bem, os outros são presas.

Esse caráter manipulador do estudo de personagem é melhor evidenciado pelos pontuais momentos de fraqueza da protagonista: quando ela não está no controle. A premissa do filme gira em torno de uma adoção de Ema e seu marido (Gael García Bernal), que dá errado quando o garoto queima o rosto da irmã da protagonista – sendo que a própria Ema o ensinou a mexer com fogo -, motivo pelo qual a personagem-título, em sua característica impulsividade, decide devolver o garoto. Todavia, indo em conjunto com tudo que citei anteriormente, a narrativa não é um drama familiar ou uma história sobre culpa, mas sim sobre a necessidade de controle de Ema. Ela não consegue o menino de volta, seu marido a responsabiliza pelo abandono do garoto e sua irmã teve o rosto desfigurado. E ainda assim, a única força que move a personagem não é remorso ou a procura de um escape na liberdade transgressora, mas sim como restabelecer seu controle… através do caos.

 Afinal, Ema não consegue e não quer entender o racional. Seu marido, o único personagem que consegue desarmá-la, é um constante lembrete da normalidade. Ele critica o teor pornográfico do reggaeton, expõe para Ema seus pecados maternos, a reprime e, ainda por cima, é seu coreógrafo. Ela não está mais interessada nesses canais racionais, procurando a restituição do poder ao humilhá-lo com sua impossibilidade de ter filhos, criando um revolta no seu show ao influenciar as outras dançarinas e, como maior exemplo de aversão ao matrimônio, decide constantemente traí-lo. E ao final sempre retorna a ele, não porque o ama ou necessita da sua paixão, mas sim porque quer dominá-lo. O caos sobrepujando o racional.

Ema tem problemas que deixam a obra aquém de uma excelência cinematográfica. Da metade pra frente o filme pouco desenvolve a psique estabelecida da personagem, caindo na habitual superficialidade de filmes muito estilizados. E isso cria outro problema: repetitividade narrativa, especialmente na constante reverberação da anarquia e da luxúria, que deixam o ritmo da obra insosso. Contudo, Ema provavelmente deixará mais experiências desgostosas por ser uma fita difícil de digerir. A protagonista não é simpatizante ou carismática, sendo na verdade irritante, diabólica e desagradável ao longo da obra… e no final ela vence. Ela vence porque esse é o mundo dela. A orgia, o reggaeton, a explosão multicolorida,  o casamento maculado, a família traumatizada e os personagens próximos a ela se olhando em desespero; todos partes da sua Babel.

Ema | Chile, 12 de agosto de 2021
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Guillermo Calderón, Alejandro Moreno
Elenco: Mariana Di Girolamo, Gael García Bernal, Paola Giannini, Santiago Cabrera, Giannina Fruttero, Josefina Fiebelkorn, Paula Hofmann, Paula Luchsinger, Antonia Giesen, Catalina Saavedra, Mariana Loyola, Susana Hidalgo, Amparo Noguera, Cristian Felipe Suarez, Claudio Arredondo, Claudia Cabezas, Paula Zúñiga, Diego Muñoz
Duração: 102 min

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