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Crítica | Emancipation – Uma História de Liberdade

Fugindo do que realmente importa.

por Ritter Fan
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A famosa fotografia de Gordon, um homem escravizado com as costas profundamente marcadas por queloides deixados pelas chagas de seu inominável sofrimento e tortura nas mãos do homem branco, é dura, dolorosa, difícil de ver e, por isso mesmo, extremamente poderosa, um verdadeiro tapa na cara, a ponto de ter se tornado um símbolo antiescravagista que circulou o mundo em publicações impressas a partir de 1863, quando foi tirada, e recrudesceu a luta contra a exploração do homem pelo homem. É essa inesquecível imagem – se o leitor não a conhece por qualquer razão, sugiro pesquisá-la online – que serve de base para Emancipation – Uma História de Liberdade, um filme que, infelizmente, não consegue chegar nem próximo da força de sua inspiração, falhando em muito do que se propõe a fazer.

Com roteiro do medíocre William N. Collage, o longa é dividido em dois momentos distintos, a fuga de Peter (Gordon), vivido por Will Smith, e, depois, no terço final, seu alistamento no exército da União, sem que haja muito o que ser contado além do que descrevi em poucas palavras, o que resulta em um longa sobre um assunto sério que, estranhamente, se vale de tropos de filmes de ação para não funcionar, transformando-se em um thriller de sobrevivência que só se conecta de verdade com a escravidão pelo seu contexto, contando ainda com um terço final que tenta abordar a Guerra Civil, mas acaba correndo demais para sequer lembrarmos do que acontece. Não há nada que não tenha sido visto antes e não há nada que acrescente ao que já foi feito antes em termos narrativos.

E, para preencher o vazio do texto, eis que o igualmente medíocre diretor Antoine Fuqua (que, temos que convir, só acertou de verdade duas vezes em sua carreira) faz o que sabe fazer, ou seja, enxerta a narrativa de exageros visuais que começam com a fotografia de Robert Richardson (normalmente muito bom, mas, aqui, obedecendo a mandamentos estéticos de gosto duvidoso) com cor esmaecida – não é preto e branco! – e  com a leve tintura de determinados elementos cênicos, notadamente a vegetação intocada da região da Louisiana, o sangue e o fogo, criando imagens lindas que são só isso mesmo, quadros sem maiores funções narrativas, além de uma trilha sonora composta pelo brasileiro Marcelo Zarvos que é usada de forma a ditar como o espectador deve se sentir, por vezes até mesmo adiantando situações e desfechos da maneira mais óbvia possível.

Em outras palavras, Emancipation é um filme manipulador, o que seria ligeiramente desculpável se a obra fosse um romance adolescente bobalhão como tantos por aí e não um drama com a temática pesada que tem. E  é importante saber diferenciar: não quero de forma alguma dizer que uma obra assim não possa ser “embelezada” por artifícios narrativos e estéticos, mas é essencial que essas escolhas sejam complementares à história e não venham em substituição a ela. Não gosto de comparar obras, e não pretendo traçar paralelos óbvios com, por exemplo, o realmente poderoso 12 Anos de Escravidão, mas é inevitável citar a espetacular minissérie The Underground Railroad, de Barry Jenkins aqui, já que ela se vale de um sem-número de artifícios das mais variadas espécies para contar sua história e nenhuma vez a narrativa é soterrada pelos floreios. Muito ao contrário, o que eu chamei talvez erroneamente de floreios são complementos indispensáveis para a sensação constante de claustrofobia, perigo, perda e morte que cerca a protagonista na obra de Jenkins, enquanto que, no filme de Fuqua, tudo o que temos são elementos para nos desviar a atenção do que falta na obra, ou seja, substância.

Com Collage e Fuqua atrapalhando, chega a ser um milagre que a atuação de Will Smith não tenha sido abissal. Cheguei a ficar com o receio que o ator, fazendo um sotaque haitiano no início, quando ainda está na plantation com sua família, repetisse aquela coisa tenebrosa que foi seu trabalho inacreditavelmente oscarizado em King Richard: Criando Campeãs, mas, como o filme envereda pela “fuga desesperada pelo pântano”, que poderia ser facilmente inserida em qualquer filme genérico de ação (tem até luta contra crocodilo!), seu trabalho silencioso melhora muito e ele até consegue convencer o espectador de seu sofrimento quando a câmera finalmente para um pouco em suas feições marcadas para deixá-lo atuar.

Emancipation – Uma História de Liberdade talvez seja emocionante lá no fundo, mas tudo o que vi foi um diretor e um roteirista lutando para não emocionar ninguém e, no processo, diluir a força de uma fotografia que encapsula como poucas a crueldade do Homem. Smith, por seu turno, até esforça-se para compensar as falhas, mas ele, sozinho, não consegue atribuir identidade e potência a um filme que troca conteúdo verdadeiro por adornos baratos e vazios.

Emancipation- Uma História de Liberdade (Emancipation – EUA, 09 de dezembro de 2022)
Direção: Antoine Fuqua
Roteiro: William N. Collage (Bill Collage)
Elenco: Will Smith, Ben Foster, Charmaine Bingwa, Steven Ogg, Mustafa Shakir, Timothy Hutton, Gilbert Owuor, Grant Harvey, Ronnie Gene Blevins, Jabbar Lewis, Michael Luwoye, Aaron Moten, Imani Pullum
Duração: 132 min.

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