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Crítica | Emergência (2022)

Não é o que parece.

por Felipe Oliveira
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Não é o que parece“, é como o slogan provoca no estiloso cartaz de Emergência, o que resume muito bem a forma que o roteiro de K.D. Dávila manipula as expectativas sobre a história que está sendo contada. O curioso é como essa sacada é constantemente aplicada, com o filme captando uma aura das comédias coming of age de besteiróis americanos dos anos 2000, como American Pie: A Primeira Vez é Inesquecível, e quebrando a impressão da comédia sobre curtição e sexo logo em seguida ao trazer uma discussão sobre o uso da “palavra com N“, nigga.

Sean (RJ Cyler) e Kunle (Donald Elise Watkins) são dois melhores amigos negros numa universidade majoritariamente branca, e a discussão começa a tomar forma quando, em classe, uma professora traz como tópico da aula a “palavra com N”, perguntando quem saberia responder o porquê de ser considerada pejorativa, isso com toda a turma, principalmente a docente, branca, exceto por Kunle e Sean. Isso faz pensar se o episódio seria uma colocação do roteiro de inserir críticas raciais nos moldes de comédias com o humor ácido. Porém, o assunto ganha mais ênfase com a dupla debatendo os possíveis cenários em que uma pessoa usaria a palavra com N, o que serve para percebermos as perspectivas das diferentes vivências de Sean e Kunle, com o primeiro sendo mais “largadão”, e o segundo, prezando em ser mais moderado, mirando em ser um doutor da biologia.

Prestes a se formarem, a dupla tem a ideia de participarem de todas as sete festas que acontecem ao mesmo tempo pelo campus, como forma de deixarem uma marca, um legado de despedida. O que impossibilita o plano, é quando eles se deparam com o corpo desacordado de uma jovem branca na sala da casa que dividem ao lado do mexicano Carlos (Sebastian Chacon), e agora os três passam a refletir em como acionar as autoridades sem que duvidem que nada tiveram a ver com a garota. A missão então se torna em resolverem a situação a levando para o hospital.

Adaptando o curta-metragem homônimo lançado no Festival de Sundance em 2018, Dávila faz de Emergency um dos poucos casos em que transportar um curta num novo formato, não perde a essência, e sim, acerta por aproveitar o potencial no que tange uma discussão pertinente aqui. A diferença, claro, além do espaço narrativo com o qual o curta se desdobrou, é na abordagem do tema que injeta ao drama e suspense, o subgênero do humor ácido. É nisso que se concentra a argilosa sacada do roteiro, e que também se torna um artifício que faz a trama se estender em alguns momentos, mas vejamos. Graças ao humor ácido é como o roteiro consegue transitar para o nível exagerado e absurdo que a situação vai assumindo.

É do tipo que irrita, sufoca a audiência pelos atos ainda mais embaraçosos que os personagens se colocam para um caso já extremo. O ponto chave de Emergência não é brincar com as possibilidades mirabolantes e caóticas que o humor ácido permite e fazer disso uma noite insana para os universitários, uma vez que é notável como, muito habilmente, o roteiro faz o telespectador sair de uma reação cômica para ser atingido com os comentários que estão sendo costurados aqui sobre abordagem e violência policial, negligência, traumas raciais e racismo estrutural.

A forma como o longa inicia dando uma pitada de besteirol adolescente, e trazendo uma reflexão discursiva em seguida onde logo o telespectador é também fisgado, se mostra mais eficiente quando a perspectiva da situação é posta à mesa. Assim, todo o receio que Sean tinha do que pareceria para a polícia ao ver três jovens não brancos e Emma (Maddie Nichols), uma garota caída em cima do vômito numa sala, se torna inevitável quando decidem seguir a ideia de Kunle de a levarem ao hospital, o que atrai a atenção externa do caminho que leva da residência a unidade médica. Do casal com a plaquinha no gramado com a frase “black lives matter“, mas ao verem um jovem negro próximo a sua casa ameaçam a chamar a polícia; para o grupo que procura por Emma, ou em toda vez que tentam falar o que aconteceu e como soa, Emergência expõe uma série de deduções – e a cinematografia de Michael Dallatorre sendo pontual nos enquadramentos – para como Sean, Carlos e Kunle estão sendo vistos. E para quem pensa que ligar e explicar para a polícia seria mais simples, o filme mostra de um jeito absurdo e cada mais complicado exatamente o que tentaram evitar, mesmo que estivessem na casa que dividiam.

Não é o que parece, mais ainda assim, foram julgados por isso. Ligar poderia ser mais fácil, mas não daí que o problema começa, e partindo dessa lógica que Emergência tece uma discussão arrasadora em que Dávila, e o estreante diretor numa longa, Carey Williams, provam uma excelente parceria e harmonia para trabalharem de maneira intensa um tema atual e pertinente. O humor só foi um modo de encaixar os elementos exagerados, e o que sobra nos mínimos detalhes, não um é desfecho otimista depois de muita confusão, e sim, o reflexo de como tudo ressoa.

Emergência (Emergency – EUA, 2022)
Direção: Carey Williams
Roteiro: K.D. Dávila
Elenco: Donald Elise Watkins, RJ Cyler, Sebastian Chacon, Sabrina Carpenter, Maddie Nichols, Madison Thompson, Diego Abraham
Duração: 108 min

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