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Crítica | Emily em Paris – 1ª Temporada

por Leonardo Campos
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Há várias maneiras de consumo para a aproveitarmos Emily em Paris, original Netflix criado por Darren Star, autor conhecido por trazer o clássico inesquecível Sex and The City para a televisão, série que ainda hoje é muito relevante em seus debates sobre amor e relacionamentos. Ao longo da primeira temporada do programa, em seus 10 episódios, temos a habitual opção de desligamento do cérebro para momentos de diletantismo em seu estado mais puro, mas também há a possibilidade de se divertir e refletir sobre a fluidez e dinamicidade dos relacionamentos pós-redes sociais tem transformado o mundo cotidianamente. Criticada por determinados especialistas que viram na condução dramática uma ofensa aos estadunidenses burros, além de uma construção estereotipada da vida em Paris, cidade constantemente romantizada no cinema e na cultura da mídia, Emily em Paris parece não purgar das opiniões limitadas de quem só consegue contemplar um lado do fenômeno. A série já recebeu sinal verde para mais uma temporada, mesmo que alguns de seus arcos já tenham alcançado existência suficiente.

Primeiro, é preciso assumir que sim, a série é um daqueles programas estilo cartão-postal, com demonstração dos principais pontos da “capital do amor”, um lugar elegante, cheio de pessoas pedantes. Para alguns isso pode ser problema, para outros, pode ser potência. Não vejo nem como uma coisa, nem como outra. Observo no desenvolvimento de Emily em Paris, uma produção de entretenimento saudável, ideal para os tenebrosos tempos de pandemia já insistentemente realistas nas mensagens que recebemos cotidianamente pelo WhatsApp, nas reportagens jornalísticas e no feed/direct do Instagram, rede social protagonista e um dos pontos de articulação da minha análise sobre o programa. Preciso ressaltar que há, no delineamento da protagonista interpretada com carisma e determinação por Lily Collins, o idealismo de Charlotte, as neuras de Carrie, a postura profissional assertiva de Miranda e o interesse por experimentações sexuais de Samantha. Sim, ela é uma herdeira de Sex and The City. Sem o mesmo tempo em tela para mais problematizações e num tom mais ameno que o programa de seis temporadas que marcou para sempre a história da cultura televisiva contemporânea.

Com seis episódios dirigidos por Andrew Fleming, realizador que trabalhou neste posto ao lado de Zoe Cassavetes e Peter Lauer, a primeira temporada da série contou com os textos de Darren Star, elaborados numa sala de roteiristas visitadas por outros profissionais que deram corpo aos argumentos básicos. O que temos de mote é a ida de Emily (Collins) para Paris. Ela é uma cidadã de Chicago, mas depois que a sua chefe Madeline (Kate Walsh) descobre que está grávida, a sua função é substituí-la numa empresa de marketing comprada pelo grupo estadunidense. Assim, muitas coisas mudam na trajetória da personagem. A vida com o seu namorado Doug (Roe Hartrampf) passa por algumas transformações, até ganhar um desfecho logo no segundo episódio, as barreiras linguísticas e culturais são desafiadoras, mas enfrentadas com esmero pela personagem branca e privilegiada que descobre ter um vizinho bem interessante, Gabriel (Lucas Bravo), fisicamente atrativo e intelectualmente sedutor. Aparentemente solteiro, o jovem chef de um restaurante simples da cidade flerta com a moça. Mas lhe apresenta surpresas.

Saberemos, adiante, que ele é o namorado de Camille (Camille Razart), uma moça legal que em determinado momento da trajetória inicial de Emily na cidade, a ajuda numa situação de choque cultural e falta de empatia por parte de uma vendedora de flores. Juntas, elas vão protagonizar momentos de tensão com humor no que diz respeito ao latente triângulo amoroso que surge entre as duas e Gabriel, um personagem masculino que não chega a ser tóxico como o Mr. Big de Carrie Bradshaw, mas esbanja entrega aos seus desejos e não reflete muito sobre um dos temas mais polêmicos da contemporaneidade no que diz respeito aos relacionamentos humanos: a responsabilidade afetiva. Ele mantém um bom namoro com Camille, mas parece encantado por Emily, estadunidense que esbanja charme, elegância, inteligência, dentre outras qualidades. O fio condutor deste contato entre os três se estabelecerá até o desfecho da temporada, com arcos ainda em aberto para a segunda etapa do programa.

Se os obstáculos de Emily fossem exclusivamente sentimentais, a vida da jovem seria um mar de rosas. A crise constante é parte de sua jornada social. Magra e bem-resolvida, a protagonista goza de muitos privilégios de uma existência moldada em padrões. O seu cotidiano é acompanhado por seus trajes em roupas das melhores marcas, material desenvolvido pelo setor de figurinos assinados por Marilyn Fitoussi, um dos destaques da série. Entre os intervalos no espaço de trabalho, a garota atravessa a cidade e alimenta o seu perfil @emilyinparis, sucesso vertiginoso ao passo que a jornada desafiadora da garota é postada em meio aos locais visitados, pontos turísticos valiosos de uma cidade historicamente conhecida por sua beleza. Os seguidores de Emily contemplam tais belezas, da mesma maneira que observamos a personagem realizando tais registros, captados pela direção de fotografia assinada por Alexander Gruszynski, setor responsável por tornar Paris mais luminosa, bem como os figurinos mais ousados do que são, trajados por figuras ficcionais que circulam não apenas pelos espaços geográficos naturalmente lindos do local, mas também pelos escritórios, apartamentos, restaurantes e demais ambientes erguidos pela equipe supervisionada por Anne Seibel, design de produção de Emily em Paris. Alguns takes são adornados pelos efeitos visuais da equipe de Philip McGuire, geralmente bem elaborados, com alguns excessos de virtuosismos entre um ponto e outro, nada que tire a beleza e atrapalhe o desenvolvimento dramático da série.

Acompanhada pela condução musical de James Newton Howard ao longo dos dez episódios, Emily é uma jovem profissional ambiciosa, mas equilibrada em seus anseios. Ela sabe que atua num ambiente de trabalho ao estilo do ácido O Diabo Veste Prada, principalmente pela perseguição e falta de aprovação de sua chefe, Sylvie Grateau (Philippine Lerou-Beaulie), personagem prejudicada pelo excesso de vilania, caricata ao ser desenvolvida para representar humanamente os principais desafios na jornada de Emily na capital francesa. Antoine (William Abadie) é um dos clientes mais proeminentes, interessado constantemente no trabalho ousado e irreverente da estadunidense em Paris. Julien (Samuel Arnold) é o colega de escritório inicialmente antipático, mas que ajudará a colega a se tornar mais acolhida neste local tomado por pessoas muito competitivas e tóxicas. Há outros tipos que atravessam a fase de adaptação da protagonista, sendo Mindy (Ashley Park) um dos bálsamos da garota diante de cada adversidade implantada em seu expediente de trabalho. Ela é a amiga colhedora, também situada numa pátria que não é o seu local de origem, compreensiva diante dos dilemas da nova amiga que divide sempre os seus momentos por meio de ligações ou encontros em cafés, etc.

Ademais, como já mencionado, se na vida pessoal as coisas estão em ajuste para Emily, o seu lado profissional é o que apresenta mais desafios. Ela é uma garota estadunidense de Chicago que chegou em Paris para apresentar um ponto de vista considerado excessivo, desnecessário e até mesmo vulgar por profissionais dominados por discursos elitistas e resistentes ao advento de novas maneiras de se comunicar. Em determinada passagem, há comparações entre o cinema hollywoodiano e suas comédias românticas idealizadas, face ao realismo do cinema francês e suas histórias supostamente mais amargas e realistas. É uma passagem aparentemente simplória, mas com um diálogo que acredito, define as demandas dramáticas e a mensagem da série. De volta ao que mencionei sobre o Instagram, podemos observar que ao longo de Emily em Paris, a rede social que completou 10 anos em 2020 é um espaço de poder que deve ser melhor explorado por nós usuários. É uma seara virtual onde reputações podem ser destruídas facilmente, ao mesmo tempo que pueris discursos ganham ampla projeção e blogueiros falam para plateias antes preteridas de espaços na mídia hegemônica. Na série, a rede social em questão ocupa espaço de protagonismo, pois o perfil da protagonista é justamente o mesmo da produção, uma conta que traz coisas boas e também muita dor de cabeça para a jovem em sua dinâmica de trabalho diária. Agora basta aguardarmos pela segunda temporada do programa para saber: o que teremos no feed de @emilyinparis?

Emily em Paris – 1ª Temporada (Emily in Paris, Estados Unidos/França, 02 de outubro de 2020)
Criação: Darren Star
Direção: Andrew Fleming, Zoe Cassavetes, Peter Lauer
Roteiro: Darren Star, Kayla Alpert, Ali Waller, Joe Murphy, Matt Whitaker, Emily Goldwyn, Sarah Choi, Grant Sloss, Alison Brown
Elenco: Lily Collins, Philippine Leroy-Beaulieu, Ashley Park, Camille Razat, Philippine Leroy-Beaulieau, William Abadie, Samuel Arnold, Bruno Gouery, Roe Hartrampf
Duração: 278 min. (10 episódios)

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