Algumas franquias ou séries cinematográficas deveriam ter parado enquanto ainda existia algum (mínimo, que fosse) prestígio para preservar. A quarta aventura da sensual Emmanuelle é uma prova disso, porque chega com uma não-história pintada de “amor safado e sofredor” e estraga o pouco de coisas boas que a série ainda tinha. Mia Nygren assume o papel principal numa mudança que bate com toda a elegância de trocar o motor de um Porsche por um de fusca (por mais belo de se olhar que seja o segundo motor). O roteiro navega mal pelos mínimos blocos de história que tem. Entre flashbacks mal costurados e diálogos perdidos, atirando para todos os lados, Emmanuelle 4 constrói uma narrativa em que faltam coisas para ligar as histórias e falta coerência para a ideia de libido, sexo e prazer que o filme quer mostrar/explorar. Patrick Bauchau faz o que pode como Marc, mas seu personagem oscila entre stalker e objeto de desejo que Emmanuelle não quer assumir o filme todo… para, no final, cair nos braços dele sem mais nem menor e destruir tudo o que foi feito antes.
A montagem é um dos elementos mais frágeis da produção. As transições entre presente e passado acontecem de qualquer jeito, cortando cenas com algum potencial e colando outras sem fazer a menor conexão. Fica a sensação estranha de ter perdido alguma parte importante do filme (mesmo nas cenas de simulação de sexo). Os flashbacks surgem do vazio e desaparecem sem explicação, criando uma narrativa que mais confunde do que esclarece. A psicanálise entra na história feito enfeite de vitrine. O filme joga termos psicanalíticos aqui e ali, fingindo que está falando sobre autodescoberta erótica e crescimento da protagonista, mas tudo soa decorativo. Quando Emmanuelle supostamente passa por momentos de reflexão profunda, a coisa toda fica artificial demais.
Obviamente, o Brasil da tela não tem nada a ver com o Brasil real. Chega a ser vergonhoso o que fazem aqui. Juiz de Fora, Rio de Janeiro, Macapá e Porto de Santana, só para citar alguns exemplos, aparecem com alma de alguma cidade da Colômbia fundida com alguma cidade do México e de Cuba, e tratadas feito paisagens genéricas, assim como as pessoas. A produção desperdiça cenários naturalmente deslumbrantes e transforma tudo em pano de fundo banal. Até a cobra, na cena de Macapá, que poderia render uma metáfora interessante sobre sedução, perigo e luxúria predatória (na única cena de sexo parcialmente bem dirigida do longa), aparece perdida, coitada, em plena bagunça visual.
O episódio de Barreiras cruza todas as linhas do bom senso. Ver Emmanuelle se entregar de boa vontade para um cara que acabou de abusar sexualmente da esposa com uma espora, bem na frente dela, é de um mal gosto absurdo. A cena trata violência de gênero como algo sexy e envolvente. Que mensagem para se passar numa obra onde a mulher, seu corpo e seu sexo são as verdadeiras estrelas, hein? Mia Nygren simplesmente não funciona no papel principal. Onde Sylvia Kristel tinha aquela melancolia meio misteriosa que fazia você entender por que todos ficavam obcecados por Emmanuelle, a nova intérprete entrega uma performance apática. Ela transita pelas cenas com cara de tédio, sem transmitir nenhum tipo de magnetismo ou sensualidade para além do exibicionismo. Fica impossível acreditar que alguém moveria céus e terras por uma personagem tão desinteressante quanto ela consegue fazer parecer.
A história termina exatamente onde começou, anulando a suposta jornada de transformação. Depois de acompanhar Emmanuelle aparentemente descobrindo coisas sobre si mesma e sobre o amor, e depois de passar por uma “plástica de corpo inteiro” para “renascer” e fugir do ex-companheiro insuportável, descobrimos que nada realmente mudou, uma vez que ela volta para o lugar de sempre. Emmanuelle 4 consegue transformar paisagens paradisíacas em cenários sem vida e reduzir o erotismo a um catálogo de cenas mal conectadas que existem apenas para justificar o nome no cartaz, a admiração cansada de corpos nus e uns estímulos para adolescentes que não conhecem muito da vida, das relações interpessoais, do flerte, da sedução e do sexo.
Emmanuelle 4 (França, 1984)
Direção: Francis Leroi, Iris Letans
Roteiro: Francis Leroi, Iris Letans, Marie de Surgis (baseado na personagem de Emmanuelle Arsan
Elenco: Sylvia Kristel, Mia Nygren, Patrick Bauchau, Deborah Power, Sophie Berger, Gérard Dimiglio, Sonja Martin, Christian Marquand, Marilyn Jess, Isabelle Estelle, Christoph Clark, Gérard-Antoine Huart, Fabrice Luchini, Christopher Young, Trevor A. Stephens
Duração: 92 min.