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Crítica | Encanto (2021)

O pouco encanto nas imperfeições da família.

por Iann Jeliel
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Encanto

É estranho dizer isso, mas poucos filmes da Walt Disney Pictures são sobre família amplamente falando. Pelo menos não há uma discussão interna dela ou de seu conceito nas  histórias, já que em sua maioria são contos de fadas em que as divergências entre reis e princesas quase nunca saíram de opiniões sobre o futuro matrimonial e/ou o medo da independência. Em seu sexagésimo filme, Encanto, o estúdio adere à recente moda do cinema norte-americano em valorizar a figura do “latino” (sem ser somente o México) e viaja para o território sul-americano para apresentar universalmente os problemas de relacionamentos íntimos que toda família tradicional vive nos bastidores dos retratos que trazem uma falsa imagem de perfeição.

E isso é muito corajoso, devo dizer. Um terreno talvez mais espinhoso  do que vem sendo a característica da sua nova fase que é desmistificar certos preceitos de princesas que tocam numa representatividade muito particular, diferente da família que, costumeiramente em animações, representa um refúgio praticamente absoluto das dores e dos aprendizados da vida. Claramente a escolha da premissa em destacar Mirabel (Stephanie Beatriz) como a única sem poderes da casa Madrigal não só evidencia  alegoricamente o peso e a repressão natural que pode ser carregar um nome, pela expectativa de corresponder ao seu legado, como fornece através da fantasia uma vitrine de outras imperfeições que não necessariamente devem ser seguidas como exemplo (ou aceitas) só por serem da família.

Pelo menos é isso que dá a entender inicialmente, pois o filme necessita de um antagonista para progredir em conflitos, enquanto aventura. Encanto vai trocando essa figura conforme os desdobramentos do mistério por trás do apagar da vela mágica e a perda iminente do dom dos parentes superpoderosos. A cada nova troca de aparente antagonista, essa mensagem de desapego da origem para encontrar a própria especialidade parece ficar mais profunda, principalmente quando conhecemos o personagem Bruno (John Leguizamo). Banido da comunidade por ter a capacidade de prever o futuro em visões que nem sempre apontavam uma verdade sorridente, Bruno traz uma alusão crítica à característica institucional da estrutura familiar que por vezes quer negar a realidade para sustentar a continuidade de certas tradições.

Contudo, até pensando no público-alvo infanto-juvenil, dificilmente essa mensagem se encaminhará para uma completa desconstrução da imagem da família como um ambiente competitivo e tóxico. Nesse sentido, a narrativa buscará na protagonista uma ponte empática para a compreensão de onde surgem esses erros embrionários e como resolvê-los através da comunicação. A escolha de reafirmar a família como um espaço seguro, apesar dos defeitos (considerados  para cada personagem), é bem bonita, humana, mas acaba enfraquecendo mais a história do que necessariamente a torna equilibrada e/ou madura. Especialmente porque o roteiro precisa ser mais expositivo para promover tamanhas mudanças no tom, que parece pouco plausível nas circunstâncias apresentadas pelo enredo, mesmo que tenha o auxílio das ansiosas (e pouco marcantes) canções de Lin-Manuel Miranda como abreviações  didáticas dos momentâneos caminhos que Encanto deseja ir.

O final que conecta a mensagem com o cenário colombiano e seu passado sofredor, na colonização, só reforça que faltou lacunas de desenvolvimento prático (leia-se: sem precisar da música) a serem preenchidas para a virada moral dos personagens – em especial da matriarca Alma (María Cecilia Botero) – soar convincente. Colocam uma explicação por flashback e fica por isso mesmo. Óbvio, são justificativas coerentes com a proposta de trazer uma representatividade latina sem pasteurização, mas o ‘efeito manada’ de união nas dificuldades que ela proporciona acontece rápido demais para o que apontava as complexidades dos conflitos emocionais sobrepostos. Faltou um pouco mais de coragem para Encanto ter a força que queria no seu potente subtexto, subaproveitado na comodidade do lúdico mais fácil.

Encanto (Idem | EUA, 2021)
Direção: Jared Bush, Byron Howard, Charise Castro Smith
Roteiro: Jared Bush, Byron Howard, Charise Castro Smith, Jason Hand, Nancy Kruse, Lin-Manuel Miranda
Elenco (vozes originais): Stephanie Beatriz, María Cecilia Botero, John Leguizamo, Mauro Castillo, Jessica Darrow, Angie Cepeda, Carolina Gaitan, Diane Guerrero, Wilmer Valderrama, Rhenzy Feliz, Ravi Cabot-Conyers, Adassa, Maluma, Rose Portillo, Noemi Josefina Flores, Juan Castano, Sarah-Nicole Robles, Hector Elias, Alan Tudyk
Duração: 102 minutos

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