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Crítica | Encarnação, de José de Alencar

Uma narrativa que mantém os padrões dos perfis femininos alencarianos, mas com algumas doses sobrenaturais.

por Leonardo Campos
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Publicado em 1893, Encarnação é apontado pela crítica literária como um romance póstumo de José de Alencar, narrativa que explora temáticas de fetichismo e do grotesco, mas com um foco distinto de ironia ou farsa. O livro, um dos seus mais curtos, retrata a busca pelo verdadeiro amor como um elemento central na superação das dificuldades da vida. A protagonista Amália, uma jovem cheia de vida e atraente, vê o casamento como um destino inevitável após seu período de juventude, aceitando que, em algum momento, seguirá a norma social de se tornar dona de casa e mãe. Em contraste, Carlos Hermano de Aguiar, um homem reservado e afetado pela morte de sua esposa, busca se resguardar da sociedade que observa sua vida com curiosidade. Por meio do estilo bastante descritivo do autor, uma característica da composição literária alencariana, Hermano é retratado como um homem que, apesar de sua riqueza e uma vida social ativa na juventude, agora lida com a dor da perda de Julieta, sua esposa falecida, com quem compartilhou um amor intenso e um pacto de comprometimento eterno.

Julieta, reconhecida por sua beleza e atração, teve um destino trágico, resultando na perda de um filho e na sua morte prematura, o que intensifica o luto de Hermano. O romance, ao mostrar esses personagens complexos e suas interações, enfatiza a profundidade do amor e a luta contra as adversidades que a vida apresenta. Ela é uma presença fantasmagórica ao longo de toda a história. Mesmo com a chegada de Amália, o protagonista não consegue se desvencilhar do luto e rememora cotidianamente a falecida, em especial, pela sensação estranha ao achar que de alguma maneira, ela o ronda cotidianamente. No passado, em sua jornada socialmente privilegiada, ele se casou com Julieta, mulher que tinha uma posição social inferior, e, juntos vivem felizes até a trágica morte dela durante um aborto. A relação deles era marcada pela presença de Abreu, o criado que, após a morte de Julieta, se torna uma figura essencial na memória do casal, ajudando Hermano a lidar com a perda.

Para honrar o amor por sua esposa falecida, Hermano encomenda estátuas de Julieta que despertam curiosidade na comunidade. Ao mesmo tempo, Amália, que acompanha a vida do casal desde a infância, começa a suspeitar que Hermano a trai, ao ver as silhuetas das estátuas, resultando em decepção. Com o tempo, Amália desenvolve uma atração por Hermano e tenta conquistá-lo, usando sua beleza e o dom da música, herança de Julieta. A amizade entre Hermano e o Dr. Teixeira facilita o encontro entre os dois, que se entendem durante uma festa, levando Hermano a reformar sua casa, mas mantendo os aposentos de Julieta intactos. Nessas passagens, José de Alencar estabelece a sua radiografia da sociedade fluminense, com seus costumes, num texto que funciona como literatura, mas também como poderoso documento histórico de uma época de muitas peculiaridades.

Não demora, Amália consegue o que tanto almeja: se casar com Hermano. A relação, por sua vez, não é das melhores. O matrimônio enfrenta um painel de mal-entendidos. Mistérios são estabelecidos e só são resolvidos quando a curiosidade de Amália a leva a descobrir a chave dos aposentos fechados da mansão onde mora. Esse esclarecimento culmina no nascimento de uma filha que possui características de ambas as mães, Amália e Julieta, simbolizando a continuidade do amor e das memórias que ligam o passado ao presente. Nessa história com toques fantasmagóricos, o autor utiliza diversos elementos de narrativas anteriores, aqui aprimoradas numa escrita mais amadurecida, apesar de conter alguns deslizes no fluxo, em especial, num desenvolvimento de alguns personagens secundários importantes para os principais.

Ademais, em suas 88 páginas, Encarnação delineia um panorama das características que demarcaram a trajetória dos perfis de mulheres do romantismo próprios do estilo adotado pelo autor. Há o conflito entre o amor e dever, com figuras ficcionais femininas que enfrentam dilemas entre suas responsabilidades familiares e seus desejos amorosos. Alencar valoriza a educação feminina, refletindo a crescente importância da instrução na sociedade da época. As emoções e estados interiores das personagens femininas muitas vezes são traçados paralelamente à natureza. Elementos naturais funcionam como metáforas para suas experiências emocionais, representando tanto a beleza quanto as adversidades que enfrentam. E, sobre mudança e modernidade, podemos perceber que o autor promove uma discussão acerca da transição das mulheres de papéis tradicionais para figuras que emergem em um novo cenário social.

Essa busca por modernidade é evidente em suas obras, onde personagens contestam padrões estabelecidos, buscando novos horizontes. Apesar de ter sido escrito em 1877, ano da morte de José de Alencar, a publicação veio apenas nos primeiros anos da década de 1890, projeto editorial organizado por Mário de Alencar. Há algumas imprecisões na tessitura dos capítulos, como se o romance fosse um conteúdo inacabado, carente de algumas revisões, apontamento destacado com unanimidade pela crítica da época. Dando mais ênfase para o romanesco em detrimento da verossimilhança, eis uma das mais curiosas histórias do escritor, também uma das mais abrangentes em possibilidades quando a proposta é utilizar a sua estrutura como conteúdo pedagógico para a sala de aula contemporânea, haja vista a brevidade do enredo e a trama novelesca, repleta de reviravoltas. Para os curiosos, há um caso polêmico de suposto plágio envolvendo Encarnação, debate estabelecido nos anos 1940. Segundo os que apontaram similaridades absurdas, há denúncias sobre as conexões além da inspiração por parte da escritora Daphne du Maurier, autora do romance Rebecca, traduzido para o cinema posteriormente por Alfred Hitchcock em um momento de gestão cinematográfica inspiradora.

Encarnação (Brasil, 1893)
Autor: José de Alencar.
Editora: Ática – Série Princípios.
Páginas: 88.

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