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Crítica | Enola Holmes 2

Enola ainda sob a sombra de Sherlock.

por Ritter Fan
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É perfeitamente razoável afirmar que, na série de filmes protagonizados por Enola Holmes, a conhecida história de Sherlock Holmes está sendo recontada a partir de sua irmã que, vale lembrar, jamais existiu nos livros de Arthur Conan Doyle, sendo uma invenção da autora americana Nancy Springer, e que isso a colocaria em uma posição de ascendência em relação a um dos mais famosos detetives da literatura. O problema dessa afirmação é que o poder imagético do investigador vitoriano é tão grande e tão poderoso, algo que é amplificado por ser o tão característico Henry Cavill vivendo o referido papel mesmo que ele não só não tenha nenhuma conexão física com o personagem ou latitude dramática para vivê-lo ainda que nessa versão mais simplificada, que a jovem encarnada tão bem por Millie Bobby Brown acaba, ironicamente, ficando sob a sombra de Sherlock o tempo todo.

Tinha esperanças que, feitas todas as introduções necessárias e desnecessárias no primeiro longa da série, Enola Holmes pudesse andar sozinha ou pelo menos quase sozinha em um caso importante que fosse apenas seu. Infelizmente, porém, o roteiro novamente escrito por Jack Thorne amarra ainda mais os dois irmãos com casos que começam diferentes, mas que, não demoram a convergir dramaticamente para um ponto só que, de quebra, ainda introduz um personagem clássico sherlockiano que faz a balança pender ainda mais para o lado da criação original de Conan Doyle, com um Cavill quase onipresente “atrapalhando” as aventuras que poderiam muito bem ser solo da personagem de Brown.

E isso é duplamente um problema, pois não só a presença de Sherlock pesa demais no segundo longa, como toda a mensagem que ele tenta passar, mensagem essa de viés feminista, que tenta fazer de Enola uma personagem independente, acaba caindo por terra completamente. É bem verdade que Thorne tenta “explicar” essa sua escolha com um diálogo que Eudoria Holmes (Helena Bonham Carter) tem com sua filha lá pelo final do segundo terço do longa em que ela deixa claro que a jovem precisa saber escolher aliados, mas isso fica parecendo justamente uma desculpa esfarrapada para que Enola dependa não só de Sherlock, como também de seu crush, Lorde Tewkesbury (Louis Partridge), para conseguir fazer o que faz, o que retira o poder da personagem e o divida não tão irmãmente assim.

O caso em si, que é baseado em um evento real ocorrido na Inglaterra, lida com Enola sendo contratada pela pequena Bessie Chapman (Serrana Su-Ling Bliss) para encontrar sua irmã mais velha Sarah (Hannah Dodd), o que exige que a detetive infiltre-se como trabalhadora manual na fábrica de fósforos em meio a uma epidemia de tifo. Na outra ponta, Sherlock investiga uma série de crimes financeiros que o deixa perplexo, mas que, como uma das várias coincidências (ou conveniências) do longa, tem estreita relação com o que sua irmã procura. A costura narrativa entre uma coisa e outra é até boa, com o roteiro usando elipses que não parecem elipses e que, ato contínuo, são explicadas em retrospecto, um estilo que já havia demarcado o primeiro filme pela direção frenética, mas eficiente de Harry Bradbeer, que retorna para mais uma dose de perseguições de toda sorte, inclusive uma de carruagens com direito a bombas de fumaça e explosivos.

Mais uma vez, a reconstrução de época de Londres com uso de cenários reais e de computação gráfica é muito boa, algo que também é refletido nos figurinos variados, seja no lado mais pobre da cidade, seja no mais rico. E o melhor é que, mesmo com a ação concentrada no grupo principal, as tomadas exteriores fazem de Londres um lugar verdadeiramente pulsante, o que ajuda no mergulho no filme, mesmo que, assim como nos dois longas de Guy Ritchie, contem com muitas liberdades visuais para todo o lado, em uma mescla bem conduzida.

Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, Millie Bobby Brown demora a encontrar seu ritmo e a tomar o filme para si mesma, algo que ela não é tão bem sucedida em fazer como em sua primeira tentativa. Reputo que a culpa, aqui, está mesmo no roteiro, que investe muito em Sherlock e na construção de seu mito, deixando Enola por diversas vezes em segundo plano. Mesmo assim, a jovem atriz, especialmente por intermédio das simpáticas quebras da quarta parede, arranca o destaque que merece a fórceps, algo que é facilitado, de certa forma, por um Cavill que continua teimando em viver Sherlock Holmes como se ele fosse o Superman ou Geralt de Rivia ou qualquer outro personagem que o ator tenha vivido, ou seja, como Henry Cavill. O problema está mesmo no personagem que ele vive que é maior que a vida e cuja mitologia é tão enraizada no imaginário popular que ele acaba tomando o filme de assalto sempre que aparece, não deixando muitas migalhas para a recém-chegada Enola.

Gostaria muito que um terceiro filme da série se arriscasse mais e deixasse de depender tanto de referências que não sejam inatas a Enola Holmes, pois isso potencialmente permitiria que a personagem andasse sem muletas, sem depender de um braço forte para fazê-la levantar quando cai no chão. Do jeito que está, por mais que os filmes se vendam como feministas, eles permanecerão à sombra de personagens masculinos.

Enola Holmes 2 (Reino Unido/EUA, 04 de novembro de 2022)
Direção: Harry Bradbeer
Roteiro: Jack Thorne (baseado em romances de Nancy Springer, por sua vez baseados na obra de Arthur Conan Doyle)
Elenco: Millie Bobby Brown, Sofia Stavrinou, Henry Cavill, John Parshall, Helena Bonham Carter, Louis Partridge, Adeel Akhtar, Susie Wokoma, Sharon Duncan-Brewster, David Thewlis, Hannah Dodd, Serrana Su-Ling Bliss, Abbie Hern, Gabriel Tierney, Róisín Monaghan, David Westhead, Tim McMullan, Lee Boardman, Himesh Patel
Duração: 129 min.

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