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Crítica | Enola Holmes

por Ritter Fan
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Baseado no primeiro de até agora seis livros da série literária Os Mistérios de Enola Holmes, da autora americana Nancy Springer, inspirada, claro, na imortal criação de Arthur Conan Doyle, o longa simplesmente intitulado Enola Holmes, dirigido por Harry Bradbeer, mais recentemente responsável por diversos episódios da excelente série Fleabag, é, talvez, o perfeito veículo audiovisual para Millie Bobby Brown esbanjar seu charme adolescente e sua capacidade dramática para além de seu razoavelmente limitado – mas muito bem-sucedido, claro – papel em Stranger Things. E é muito bom notar que a jovem abraça seu papel efusivamente, entregando um trabalho divertido, com belo potencial de virar mais uma franquia, logicamente.

O roteiro de Jack Thorne (Extraordinário, O Jardim Secreto) constrói uma história de auto-descoberta e amadurecimento que parte do desaparecimento de Eudoria Holmes (Helena Bonham Carter), mãe de Enola (e de Mycroft e Sherlock), que leva a jovem a fugir dos irmãos para investigar seu paradeiro. Nesse processo, ela salva a vida do jovem lorde Tewkesbury (Louis Partridge) que, coincidentemente, também está fugindo de sua família e ele se torna o primeiro caso investigativo de Enola, juntamente com o de sua mãe, em duas linhas narrativas que são temática, mas não verdadeiramente convergentes.

Se Thorne sabe construir Enola com proficiência, o mesmo não acontece com a relação dela com os irmãos. As presenças de Henry Cavill como Sherlock e de Sam Caflin como Mycroft são necessárias para estabelecer o elo familiar, mas, logo em seguida, elas se tornam entraves para a progressão da história sem âncoras referenciais. Infelizmente, o roteiro insiste na presença dos irmãos – um investigando naquele estilo frio de sempre e o outro constantemente irritado com as peripécias da irmã – ao longo de toda a história, o que só contribui para a duração avantajada do longa e por vezes até detraindo do tempo que poderia ser dedicado a mais para Enola, especialmente seu passado e sua relação muito próxima com a mãe.

Há também o problema do didatismo exacerbado. Sim, trata-se de um filme que mira o público jovem a partir de um livro também para o público jovem, mas juventude não é razão para o nivelamento por baixo de uma narrativa, com dependência quase abusiva de textos explicativos sobre a emancipação feminina, sobre a igualdade de gêneros e sobre a importância de ser independente, de procurar e trilhar o próprio caminho. Nesse sentido, falta elegância ao roteiro que não sabe passar suas nobres e necessárias mensagens de maneira clara, mas “invisível” ao longo da progressão narrativa. Pela janela vão as ações que falam por si só para que entrem as ações que também são narradas para que todo mundo possa entender exatamente o que já está óbvio na tela. Este é, portanto, mais um filme que subestima a juventude que a própria mensagem da história roga que seja independente.

Bradbeer, por seu turno, faz uso de todos os artifícios da “cartilha do cineasta que quer agradar universalmente” e carrega o longa de elementos como quebra da quarta parede, flashbacks iluminadores e montagens para reconstruir a percepção de Enola. Sem dúvida são clichês narrativos simpáticos e eles funcionam nas primeiras várias vezes em que eles são usados, até que Bradbeer simplesmente parece fazer um filme composto unicamente deles, sem, ironicamente, seguir seu próprio caminho. É quase como se o diretor não tivesse confiança na capacidade de Brown de encantar somente por sua presença e pelo seu sotaque britânico original.

Mas ainda bem que ela se mostra acima dos artifícios que inflam o longa. Quando Bradbeer deixa a jovem atuar, mantendo a câmera nela por mais do que 10 segundos, ela mostra que consegue muito facilmente carregar o filme nas costas, mostrando-se realmente independente e encantadora como sua personagem. Além disso, há uma boa química entre ela e Partridge que, mesmo com presença limitada em tela, faz bonito. Só mesmo a presença adulta no longa é que faz o filme se arrastar, com exceção, claro, da presença contextualizadora de Bonham Carter.

Percebe-se também grande investimento na direção de arte, com figurinos e cenários de época variados e da mais alta qualidade que ajudam muito na imersão, mesmo que por vezes os establishing shots em computação gráfica faça o espectador acordar para a realidade da falsidade. Mas a Londres do filme é viva e bonita – talvez bonita demais – e Enola, apesar de ser essencialmente um “bicho do mato”, adapta-se com velocidade à vida urbana, algo que temos que aceitar como uma conveniência, mas que o roteiro, se não perdesse tempo com os outros Holmes, poderia ter aproveitado melhor.

Enola Holmes é uma simpática amostra do que Millie Bobby Brown é capaz de fazer e diverte sem compromisso. Poderia ser muito mais do que apenas isso se o roteiro mirasse mais alto e não quisesse pegar na mão do espectador o tempo todo para explicar cada um de seus pontos e se a direção realmente deixasse a protagonista caminhar sozinha por mais tempo. Quem sabe se no inevitável próximo capítulo das aventuras da irmã mais nova de Sherlock e Mycroft isso não acontece?

Enola Holmes (Reino Unido, 23 de setembro de 2020)
Direção: Harry Bradbeer
Roteiro: Jack Thorne (baseado em romances de Nancy Springer, por sua vez baseados na obra de Arthur Conan Doyle)
Elenco: Millie Bobby Brown, Henry Cavill, Sam Claflin, Helena Bonham Carter, Louis Partridge, Adeel Akhtar, Fiona Shaw, Frances de la Tour, Susie Wokoma, Burn Gorman, David Bamber, Hattie Morahan
Duração: 123 min.

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