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Crítica | Entre Dois Fogos (1948)

por Luiz Santiago
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Produção pequena e parte de uma leva de filmes noir dirigidos por Anthony Mann, Entre Dois Fogos conta uma história de conflito entres gangsters e tem um triângulo amoroso como elemento motivador do enredo. Com uma impessoalidade técnica admirável, Anthony Mann nos guia por ruas escuras, enevoadas e perigosas, ao menos para Joe, o personagem de Dennis O’Keefe, onde declarações de amor e planos para uma nova vida fadada à tragédia são traçados e onde o fim violento aguarda o anti-herói da fita.

Trata-se de um filme pequeno, com pouco mais de uma hora de duração, mas onde vemos acontecer uma boa sequência de fuga e um bom arranjo entre a parte sentimental e marginal da vida de um homem, o famoso personagem durão que se apaixona e tenta silenciar os fantasmas de sua vida passada com a felicidade que se apresenta para ele no presente, ao menos como possibilidade — essa mesma temática iria marcar os personagens de James Stewart nos westerns que faria com o diretor nos anos 50.

Mann utiliza muito bem a narrativa em off da personagem de Claire Trevor, fazendo-nos perceber o recurso de maneiras diferentes ao longo do filme, ora como apresentação, ora como reflexão sobre um evento, ora como “pensamento em voz alta” da personagem, ligação que se faz algumas vezes – especialmente durante a fuga de Joe – e todas com um artifício formal levemente distinto (mérito da montagem) e com significado cada vez mais forte.

Há um quê de fatalidade no filme que é impossível não chamar a atenção do espectador. Os personagens parecem predestinados a um término cruel, mesmo que os vejamos muitas vezes com um olhar de esperança e amor (o brilho nos olhos de Pat e Ann quando visitam Joe na prisão é um exemplo), impressão que em pouco tempo é afundada pela avalanche de acontecimentos envolvendo uma fuga, um sequestro e a resolução do problema citado lá no início: o conflito entre gangsters.

Há um McGuffin muito eficiente em dado momento da fuga e que serve para deixar claro ao espectador que o “problema” aqui não é necessariamente com os personagens mas com o ambiente em que eles vivem. É claro que nem o roteiro e nem Anthony Mann dá a entender algo próximo ao determinismo, mas trata-se de um formato narrativo que cria um “local fílmico” viciado, metaforicamente enegrecido e esteticamente escuro e turvo, pontuado por extremos que nem sempre comporta um meio-termo (o homem que matou uma pessoa recebe sua ‘punição’; Rick, que devia dinheiro para Joe, recebe sua ‘punição’, assim como Fantail, os outros gangsters do grupo de Rick e até as mulheres, uma porque vê seu amor morto na escadaria de um prédio e outra porque o vê em seus últimos momentos sorrir para uma mulher que não era ela).

Se não fosse uma certa artificialidade com que uma parte dos diálogos é tratada – e é claro que isso tem consequência para além desse ponto –, teríamos em Entre Dois Fogos um noir exemplar. Mas isso não quer dizer que o filme é ruim. Trata-se de uma obra realmente boa do gênero, que joga com duas questões distintas pontuadas por um olhar neutro do diretor e um afastamento que raramente é rompido, o que quase a faz parecer uma reconstituição jornalística bastante estilizada. A despeito das lombadas nos diálogos com reflexo imediato nas atuações, o longa nos traz uma situação crua de amor, tragédia e vida em sociedade, com atenção especial para o embate ente os dois lados da moeda, característica final cujo valor coroa o filme de modo a fazer valer a sessão.

Entre Dois Fogos (Raw Deal) – EUA, 1948
Direção:
Anthony Mann
Roteiro: Leopold Atlas, John C. Higgins (baseado em uma história de Arnold B. Armstrong e Audrey Ashley).
Elenco: Dennis O’Keefe, Claire Trevor, Marsha Hunt, John Ireland, Raymond Burr, Curt Conway, Chili Williams, Regis Toomey, Whit Bissell, Cliff Clark
Duração: 79 min.

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