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Crítica | Epidemia/Outbreak (2021)

Drama médico eficiente retrata crise sanitária semelhante a covid-19.

por Leonardo Campos
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Quando a OMS divulgou a sua nota sobre a confirmação de uma pandemia em março de 2020, momento que mudou para sempre a trajetória das gerações atuais em busca da manutenção de suas respectivas sobrevivências face ao perigoso vírus que ganhou proporções mundiais e ceifou um numeroso contingente populacional planetário, os canadenses tinham acabado de exibir o último episódio da angustiante Epidemia, série em 10 capítulos sobre o estabelecimento de uma crise sanitária semelhante ao que vivemos ainda hoje em nosso cenário pandêmico: um vírus de origem animal, após contatos intermediários com criaturas domesticadas, entra em contato com seres humanos e promove uma massiva destruição de pessoas pertencentes aos mais variados grupos sociais, desde os moradores em situação de rua aos confortáveis habitantes de condomínios e casas luxuosas, integrantes das classes sociais privilegiadas. O recorte é o território canadense, mas a alegoria é mundial, com dramas capazes de refletir o aumento do consumo de antidepressivos, as polêmicas diante de vacina, o comportamento humano quando pressionado pela quarentena, dentre outros tópicos temáticos.

Na trama, a microbiologia deixa claro que não há distinção social e elimina impiedosamente um percentual dos infectados, avaliados pela protagonista da jornada, Dra. Anne-Marie Leclerc (Julie Breton), diretora do Laboratório de Emergências de Saúde Pública, infectologista que descobrirá após uma longa jornada de investigação e experimentos, a origem do COVA, denominação para o vírus mortal que aniquila os seres humanos desta narrativa seriada desenvolvida com muito esmero pelo diretor, Yan Lanouette Turgeon, responsável por comandar todos os dez episódios, escritos por Bernard Dansereau, Ethienne Piérard-Dansereau e Annie Piérard, equipe assertiva ao estruturar os conflitos dramáticos e promover reflexões científicas sem deixar de compreender que a produção não é um documentário, mas uma história ficcional com personagens envolvidos em seus dilemas pessoais e profissionais, prejudicados em suas dinâmicas sociais após os furões, mamíferos com sistema respiratório parecido com o nosso, transmitirem um vírus mortal que está longe de ser “mimimi” ou apenas uma “gripezinha”. Aqui, os animais domesticados entram em contato com as fezes de morcegos, portadores selvagens, algo parecido com a tese sobre a covid-19 e o pangolim, possível transmissores intermediários.

Acompanhados pela tensa condução sonora de Ramachandra Borcar, as figuras ficcionais de Epidemia precisam lidar com a catástrofe anunciada diante do COVA e de seus desdobramentos. A morte de pessoas em situação de rua, indígenas esquimós que habitam uma determinada região da cidade, levanta suspeitas sobre estes indivíduos serem os portadores do vírus mortal que começa a atrapalhar não apenas os atendimentos em hospitais, mas comprometer a economia, os relacionamentos, o desenvolvimento educacional, etc. Com o assustador aumento de casos a cada instante, a protagonista precisa lidar com a falta de educação da população, a teimosia diante dos perigos ofertados pela doença, a necessidade de quarentena, questionada constantemente, tal como o uso de máscaras, dentre outros procedimentos de segurança. Vista como antecipação da nossa atual pandemia da covid-19, os elementos dramáticos da série parecem um espelho para o que foi e ainda tem sido a nossa vida diante deste cenário desolador.

Com direção de fotografia e design de produção que investem em efeitos azulados e esverdeados, associados ao branco constante, Epidemia expõe cenas cuidadosamente fotografadas e artisticamente bem concebidas para transmitir aos espectadores as intenções dramáticas de sua eficiente equipe de produção. Além da infectologista, temos a importante presença de Chloé (Melissa Desormeaux-Poulin), médica emergencista que é amante do marido da protagonista, o irritante Marc Gauthier (Gabriel Sobourin), quarentão com síndrome de menino novo, também médico, elemento que colabora com os melhores momentos de projeção dos conflitos da infectologista que centraliza a história. Para compor a carga dramática complementar da produção, temos o Primeiro Ministro Laurent Demmes (Guillaume Cyr) e Genevieve Levisque (Catherine Brubé), personagens que somatizam algumas das angústias ao passo que a narrativa evolui. Nelli Kadjulik (Nancy Saunders), prima de uma das vítimas, pesquisadora na área de biomedicina que colabora bastante com as investigações da Dra. Anne-Marie Leclerc.

Com desfecho otimista, Epidemia nos apresenta com algum didatismo, toda a trajetória que envolve o preâmbulo de uma situação catastrófica de saúde, desde o contato animal com os humanos, aos primeiros casos, bem como o estabelecimento dos padrões de segurança e as ondas que envolvem este tipo de situação. As vítimas, as hipóteses, a busca por padrões até o possível encerramento da crise, cenário que deixa uma série de marcas físicas e psicológicas para todos os acometidos, além de devastar as pessoas que gravitam em torno dos infectados, todos pressionados por algo ainda sem respostas definitivas, aguardando os possíveis desdobramentos num futuro próximo, esperado ansiosamente. O que acontecerá com o organismo de quem teve COVA? A doença acabou? Haverá alguma variante futura? Como a sociedade se comportará diante dos novo normal? São perguntas que ficam em aberto, talvez para a segunda temporada, se houver, pois alguns arcos permitiram que a série desenvolvesse um novo conjunto de episódios para retratar a continuidade dos conflitos apresentados.

Encerrada com pressa, algo que poderia ter sido mais orgânico, talvez, entre os dois episódios finais, não apenas na metade do capítulo de desfecho, Epidemia nos remete ao que a pesquisadora Rachel Lewinsonn no ainda elucidativo Três Epidemias: Lições do Passado, publicação da UNICAMP de 2003, em novas edições, texto lido em algum momento antes do nosso atual cenário pandêmico e bastante marcante ao refletir sobre como situações do tipo não são apenas problemas de ordem médica, mas crises originadas de graves celeumas políticas, socioeconômicas e culturais, ocasionadas por descaso das autoridades e da população diante de comportamentos que precisam de reformulação, para que mais adiante, não tenhamos algo muito pior que a covid-19, por exemplo, alegorizado com antecipação no desenvolvimento desta ótima série, eficiente não apenas como entretenimento, mas também como material didático e conteúdo para reflexão sobre o quão devastadora pode ser uma epidemia/surto/pandemia para a nossa sociedade. Ademais, caso encerrada com apenas uma temporada, a série já disse tudo que tinha para dizer. Se for continuar, precisará trabalhar bem o texto para não ser recebida pelo público como um bloco de novos episódios que pouco dizem e só retomam temas do ano anterior.

Epidemia/Outubreak – 1ª Temporada (Epidemic/Canadá – 2020)
Criação: Yan Lanouette Turgeon
Direção: Yan Lanouette Turgeon
Roteiro: Bernard Dansereau, Ethienne Piérard-Dansereau, Annie Piérard
Elenco: Julie Breton, Guillaume Cyr, Catherine Brubé, Nancy Saunders, Melissa Desormeaux-Poulin, Gabriel Sobourin
Duração: 44 min. (Cada episódio – 10 episódios)

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