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Crítica | Ernest & Celestine

por Luiz Santiago
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Baseado nos contos infantis da escritora e ilustradora belga Gabrielle Vincent, o longa Ernest & Celestine é uma terna fábula sobre a amizade acima de todas as adversidades e tabus sociais, uma história narrada com bastante simplicidade, diálogos curtos e estética que lembra os trabalhos de ilustração que lhe deram origem, com destaque para a aquarela, os desenhos dos cenários muitas vezes não-finalizados nas cenas mais abertas e o predomínio das cores de tons claros, todos com filtro de sobretons pastéis.

Dois mundos se encontram no decorrer do longa: o subterrâneo, habitado pelo ratos, que morrem de medo dos Ursos Malvados; e a “parte de cima”, habitada pelos ursos. Ambas as sociedades sabem da existência da outra e, mesmo se odiando mutuamente, convivem mais ou menos de forma pacífica. Essa convivência também consiste em visitas frequentes de ratinhos aprendizes de odontologia à cidade dos ursos para roubar dentes. Os roedores entendem que os dentes são o que permitiram a sua longevidade na Terra, e fazem implantes de dentes de urso para realizarem feitos melhores e por mais tempo, dada a sua maior resistência.

Por outro lado, a mesma preocupação com a dentição se dá na cidade dos ursos, só que por um motivo bem diferente: o alto consumo de doces faz com que os grandalhões tenham cáries e percam os belos molares e caninos, o que também consiste em um problema. Esse duplo revés para um mesmo órgão une as duas sociedades na primeira parte da película. Ele se estrutura como o primeiro plano de fundo moral, mostrando que uma espécie sobrevive de algo da outra.

Mas o roteiro, apesar de simples, vai muito além da metáfora para o ciclo da vida. A amizade entre Ernest e Celestine (que é a linha temática da animação), constitui-se numa quebra dos padrões de ambas as sociedades, que veem nisso um crime e não demoram em condenar ambos os protagonistas por romperem a fronteira das relações estabelecida ao longo dos anos. Os ratos, mais frágeis e oprimidos que os ursos, acabam sendo mais duros no julgamento. Na intenção de proteger-se do mal representado pelos “Malvados”, cercam-se de todas as justificativas possíveis para afastar as crianças e os adultos de seus predadores, tendo o medo como moeda válida para isso.

O interessante é que a relação entre Ernest e Celestine mantém as diferenças típicas de ambas as espécies, mas faz com que os dois aprendam a conviver juntos. E essa é a parte mais difícil para o júri e a população de ratos e ursos entenderem. A única saída, segundo essa visão, seria isolar um animal do outro. Levar em consideração a amizade estabelecida não é interessante nesse tipo de situação. Para as ideias aí sustentadas, se você nasceu numa espécie ou de um jeito, você deve seguir esse formato pelo resto da vida, mesmo que não acredite nele ou que ele não tenha absolutamente nada a ver com o que você realmente é.

O modelo sugestivo dos desenhos feitos à mão ajudam a completar a história, porque convidam o espectador a também construir o cenário, mando-o intelectualmente ativo durante toda a projeção. O longa parece uma frágil aquarela em movimento que pode desaparecer a qualquer momento e, por isso mesmo, deve ser abstraída o mais rápido possível. Esse tipo de animação consegue resultados incríveis só a partir de seu visual, uma vez que, de maneira bastante sutil, mexe com a veia criativa do público, aproximando-o ainda mais da história, que por si só já tem um lado emotivo bastante convidativo.

A ternura com que a amizade é exposta no filme e o trabalho estético feito para contá-la faz de Ernest e Celestine uma pequena pérola da animação. O longa tem um bom ritmo de acontecimentos, uma bela trilha sonora, boa dose de humor e delicadeza, e, principalmente, a capacidade de nos fazer visitar uma teia de sentimentos e lembranças através de seu roteiro e arte, um efeito textual-imagético bastante raro nas animações contemporâneas, desde que a tecnologia e as histórias bobas se tornaram parâmetro essencial do gênero.

Ernest & Celestine (Ernest et Célestine) – França / Bélgica, 2012
Direção:
Stéphane Aubier, Vincent Patar, Benjamin Renner
Roteiro: Daniel Pennac (baseado nos contos de Gabrielle Vincent)
Elenco (vozes originais): Lambert Wilson, Pauline Brunner, Anne-Marie Loop, Patrice Melennec, Brigitte Virtudes, Léonard Louf, Dominique Maurin.
Duração: 80 min.

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