A onda de produções asiáticas voltadas para o gênero BL (boys’ love), que começou a se popularizar massivamente no final dos anos 2010, encontrou em Erro Semântico (2022) um marco que ilustra bem como o gênero pode conquistar espaço no mainstream sem perder sua face mais delicada e única. Dirigida por Kim Soo-jung e adaptada do trabalho de Jeo Soo-ri, a série de oito episódios acompanha a relação entre Chu Sang-woo, um estudante de ciência da computação cuja vida é guiada por uma lógica quase mecânica, e Jang Jae-young, um designer de espírito livre que parece desafiar as tentativas de encaixá-lo em padrões sociais (sempre levando em consideração que me refiro à sociedade coreana). Embora não alcance um nível maior de complexidade ou polimento de seu enredo, o drama se sobressai por equilibrar uma narrativa íntima com reflexões sutis sobre tensões culturais e pessoais, criando um universo que é específico e acessível.
O coração da trama está na oposição entre os dois personagens principais, que encarnam arquétipos já conhecidos de séries universitárias ocidentais, mas que aqui recebem um tratamento discreto e dramaticamente mais rico. Sang-woo é a personificação da ordem e das regras, enquanto Jae-young é o caos provocador carregado de criatividade e uma melancolia que dá profundidade à sua rebeldia. A série usa o cenário universitário para destacar como a sociedade sul-coreana, com sua ênfase na excelência acadêmica e na competição desenfreada, molda indivíduos como Sang-woo, que parece programado para evitar qualquer desvio do caminho traçado. Já Jae-young, com sua postura desleixada e talento natural, oferece um contraponto que questiona essas imposições, trazendo à tona o conflito entre seguir expectativas alheias e abraçar a própria autenticidade. A transformação de Sang-woo ao longo dos episódios, que o leva de uma rigidez quase robótica a momentos de fragilidade e conexão genuína, é conduzida com delicadeza, ainda que nem sempre escape de uma certa previsibilidade.
Diferente de outras obras do gênero, que incluem problemáticas como homofobia ou rejeição familiar, Erro Semântico vai por um caminho mais introspectivo, centrando-se na construção da intimidade emocional entre os protagonistas. Isso permite que a narrativa respire, dando espaço para que o público se conecte com os personagens por meio de suas trocas sutis, como olhares carregados de significado ou silêncios que dizem mais do que palavras. A fotografia reforça essa abordagem com um uso preciso de cores e cenários que capturam a energia de uma juventude em processo de amadurecimento. A trilha sonora, por sua vez, acompanha essa vibe com músicas bem escolhidas, seja nas faixas instrumentais que sublinham a tensão, seja nas canções que parecem reforçar os sentimentos dos personagens, criando uma harmonia tão bonita, que, em alguns momentos, chega a emocionar, a despeito das escolhas repetitivas e ultrapassadas da edição.
O título da série já entrega uma chave para entender seu núcleo: “erro semântico” aponta para as falhas de comunicação que definem o início da relação entre Sang-woo e Jae-young. O roteiro transforma essa barreira inicial em um motor para o crescimento mútuo, mostrando como os dois, aos poucos, encontram formas de se entender — um processo que culmina em momentos de afeto físico bem trabalhados, que não hesitam em mostrar a proximidade entre eles. Ainda assim, a narrativa às vezes se alonga mais do que o necessário, esticando os encontros e desencontros de uma forma que, embora não comprometa o todo, testa a nossa paciência. Quando a intimidade finalmente se concretiza, no entanto, o impacto é palpável, recompensando a espera com cenas que transmitem autenticidade, libido e calor.
O namoro já formalizado, no desfecho, vem acompanhado de uma sequência pós-créditos que tenta mostrar como eles evoluíram sem abandonar suas essências. A ideia é interessante, mas a execução não parece inteiramente fluída: os diálogos soam um tanto incompletos, e as interações, que deveriam reforçar a química do casal, parecem menos naturais do que o esperado para esta fase do relacionamento. Não é um tropeço grave o suficiente para apagar os méritos da obra, mas deixa um gosto agridoce, como se o ponto final não estivesse à altura do que veio antes. No fundo, o que fica dessa jornada é uma história que sabe capturar a beleza das contradições humanas. A dupla central nos lembra que a vida não se resolve em equações perfeitas ou impulsos desmedidos, mas nas tentativas — muitas vezes desajeitadas e sempre corajosas — de encontrar sentido no outro e um pouco de felicidade para si. Uma felicidade que fica ainda melhor quando compartilhada com alguém que se ama.
Erro Semântico (시맨틱 에러 / Simaentik Ereo / Semantic Error) — Coreia do Sul, 2022
Direção: Kim Soo-jung
Roteiro: Jeiseon/Jeosuri (baseado na obra de Jeo Soo-ri)
Elenco: Park Seoham, Park Jae-chan, Kim No-Jin, Jae-Hoon Cha, Ji-Oh Song, Won-ki Kim, Lee Kyoung-yoon, Kim Jong-hyeong, Kim Se-hyeon, Jeon Min-gyu, Ryu Gi-seok
Duração: 8 episódios, c. 25 min. cada