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Crítica | Escobar – A Traição

por Marcelo Sobrinho
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A recente exploração audiovisual do narcotraficante colombiano Pablo Escobar, especialmente na série Narcos, poderia ter facilmente saturado o tema. Contudo, a idealização do personagem e a glamourização do banditismo na série de Padilha geraram descontentamento em parte do público (incluindo o próprio filho de Escobar) e abriram uma importante lacuna para uma abordagem mais ponderada do criminoso. Escobar – A Traição, do diretor Fernando León de Aranoa, parece ter chegado aos cinemas mais para tentar preencher essa lacuna do que para impressionar o público ao narrar a já conhecidíssima história do narcotraficante colombiano. É difícil imaginar Pablo Escobar sendo transformado em uma espécie de herói às avessas pelo novo filme do diretor espanhol e esse é o seu principal mérito. Isso não esconde, entretanto, uma série de problemas na condução do filme, especialmente em sua primeira metade – morna e pouco vigorosa.

A direção de Fernando León de Aranoa rende belos enquadramentos, escolhendo plongées bem abertos para registrar as ações dos correligionários de Escobar e excelentes planos-sequência tanto em um grande combate contra as forças oficiais e seus helicópteros como para retratar com ironia o interior da prisão do narcotraficante. Mas nada disso salva a primeira metade de Escobar – A Traição de se tornar pouco interessante e inspirada. A aposta em cenas pretensiosamente impactantes não se concretiza. Exemplo disso é aquela em que os comparsas de Escobar fecham uma autoestrada para o pouso de um avião apinhado de droga. Ainda que a direção segure bem as pontas, tudo soa mais do mesmo. Previsível e sem maiores encantos. O roteiro, também escrito por Fernando León, fraqueja por se alongar demais na apresentação do protagonista e em suas ações ousadas, mas já largamente conhecidas. O público acaba se sentindo tão enfastiado por rever tudo o que já conhece sobre Escobar que nem as atuações brilhantes de Penélope Cruz (vivendo a amante Virginia Vallejo) e, principalmente, de Javier Bardem conseguem se sobressair inicialmente ao arrastamento narrativo do longa-metragem.

Mas também há acertos que merecem ser comemorados no novo filme sobre um dos narcotraficantes mais perigosos de todos os tempos. A representação da última década de vida de Escobar o destitui de qualquer charme. O que se vê na grande tela é um homem decadente (especialmente na segunda metade da obra), completamente fora de forma e que profere suas ameaças mais como expressão de medo que de poder. Nisso, o filme do cineasta espanhol acerta em cheio. O calcanhar de Aquiles de Escobar é claramente a sua família. O ponto mais alto do filme para mim trata disso. O luxo de sua prisão particular desmancha por completo na cena espetacular em que o protagonista, algo delirante, tenta sair da prisão para levar sua filha para tomar sorvete. A humilhação do homem diante da própria filha, ao se ver sob a mira dos policiais, é denunciada pela sinceridade de suas lágrimas. A cena é brilhante pois não vitimiza Escobar, apenas evidencia a sua vergonha. A fragilidade do narcotraficante em suas bravatas aparece justamente aí – ele sempre ameaça a família de seus desafetos pois vê na sua própria a sua maior vulnerabilidade.

O filme ganha muito em sua segunda metade, especialmente após a prisão de Pablo Escobar. Javier Bardem realiza uma atuação certeira e que brilha quando o filme, finalmente, atinge o seu melhor discurso – o de narrar a derrocada do protagonista. Surpreende ver o mito dando lugar ao homem, que se vê obrigado a fugir nu de um ataque aéreo. O grande e temido Pablo Escobar aparece correndo, com as nádegas à mostra, exposto ao ridículo de uma situação que em nada coaduna com a lenda que se construiu em torno dele. À medida que o cerco se fecha, o personagem vai se tornando cada vez mais desesperado e doentio. Seu assassinato é representado em uma belíssima cena, em que o lento travelling da câmera cria suspense até que se confirme a morte do protagonista. Uma grua arremata a sequência, elevando-se sobre a cidade de Medellín enquanto a fotografia solar de Alex Catalán se soma aos gritos de “Viva a Colômbia!”. Ainda que o personagem de Peter Sarsgaard – o agente americano Shepard – permaneça subaproveitado em todo o segundo ato, todo o restante dele flui muito bem.

Escobar – A Traição demonstra problemas inequívocos de roteiro e demora muito a deslanchar muito em virtude de sua obviedade inicial. Mas, ao longo da projeção, flagrei-me refletindo em diversos momentos sobre o que há de mais lastimoso em biografias como a de Pablo Escobar. Os momentos (maravilhosamente captados por Javier Bardem) em que o poderoso narcotraficante é levado ao opróbrio diante dos próprios filhos dão a dimensão da maior desgraça de vidas como a do lendário criminoso colombiano. Sua vergonha patente diante da filha e sua morte acompanhada pelo próprio filho do outro lado de uma ligação telefônica são registros cinematográficos que merecem ser sublinhados. E se o novo filme de Fernando León de Aranoa, ainda que passando longe de ser uma obra-prima, foi capaz de me provocar tal desconforto e reflexão, suspeito fortemente que tenha valido a sessão.

Escobar – A Traição (Loving Pablo) – Espanha, 2018
Direção: 
Fernando León de Aranoa
Roteiro: Fernando León de Aranoa
Elenco: Javier Bardem, Julieth Restrepo, Penélope Cruz, Peter Sarsgaard, Óscar Jaenada, Ariel Sierra, Atanas Srebrev, Carlos Ramírez
Duração: 123 minutos.

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