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Crítica | Espécies em Perigo

Entre animais selvagens e o terrível fator humano.

por Leonardo Campos
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No desenvolvimento de Espécies em Perigo, os humanos e os animais selvagens correm os mesmos riscos, salvaguardadas as devidas proporções. Nesta narrativa enquadrada no esquema narrativo do subgênero horror ecológico, temos o Quênia como espaço geográfico e cenográfico de uma aventura que envolve uma família que decide passar as férias longe de casa, a contemplar as belezas da vida animal e do exotismo que se diferencia bastante de suas existências mergulhadas nos smartphones e na turbulência cotidiana da civilização. Aqui, aparentemente, eles estão distantes das celeumas do trânsito estressante, da irritabilidade oriunda da poluição sonora e visual dos grandes centros urbanos, da violência ameaçadora e inconstante, dentre outros tópicos na lista de problemas da humanidade face ao seu desenvolvimento exacerbado e quase sempre sem a devida consciência. Quando se encontram mergulhados em perigo, a família protagonista terá de lidar com suas numerosas diferenças e trabalhar a resiliência para dar conta dos conflitos externos, atenuados com o evaporação da sensação de segurança e o atravessar de limiar de suas dimensões psicológicas em conflito.

Sob a direção de M. J Bassett, também responsável pelo texto dramático, Espécies em Perigo traz todos os clichês básicos e que funcionam dentro de uma proposta na temática em questão. Os estadunidenses saem de sua zona de conforto retilínea e enfrentam um desafio que mudará para sempre as suas vidas, com a representação do território alheio delineado por velhos estereótipos, isto é, a terra do outro e suas misérias, incoerências, exotismos e outros traços culturais contemplados pela visão de figuras ficcionais que representam a arrogância imperialista daqueles que acreditam dominar tecnologicamente, economicamente e culturalmente o mundo todo. Em sua “essência”, os habitantes de uma grande fatia da América do Norte saem de seus lugares para contemplar as belezas e os perigos daquilo que em sua terra, não pode ser encontrado, afinal, lá supostamente é o lugar onde o “mundo” funciona e a visita ao território africano é uma oportunidade de observar o inóspito, o estranho, o exótico.

Essa, no entanto, não é uma prerrogativa de Espécies em Perigo, mas de todos os filmes do horror ecológico que retratam culturas que não sejam as desenvolvidas nos Estados Unidos, tais como Anaconda, Anaconda 2 – Caçada Pela Orquídea Sangrenta, Caçados, dentre tantos outros. Enfim, vamos ao filme. Na história, Lauren (Rebecca Romijn) e seu marido Jack (Philip Winchester) seguem com os filhos Noah (Michael Johnston) e Zoe (Isabel Basset, também colaboradora do roteiro) para a região em questão. De quebra, a filha leva o namorado Billy (Chris Fisher). Tenso, Jack será o elo constante com a insatisfação. Ele reclama de tudo, implica com o genro, não possui boa relação com o filho homossexual assumido e ainda esconde, até certo ponto da narrativa, a ameaça de desemprego após uma situação misteriosa sobre um erro na supervisão do seu trabalho que pode desenhar o seu futuro profissional.

Interessante observar que a sua falha que está relacionada com um processo de derramamento de petróleo pode ser algo que alegoricamente se conecta com a reação da natureza em sua intrusão num espaço nada ideal para circulação de seres humanos posteriormente. Jack, responsável por organizar a viagem e ajuda a sua esposa a realizar um antigo desejo, não encomendou o pacote adequado de acompanhamento dos guias. Foram questões financeiras disfarçadas e que levarão a sua família para o encontro com o horror puro, não apenas com o contato entre o grupo e espécies selvagens, mas também com alguns humanos nada amigáveis. Assim, ele disfarça a crise quando questionado e segue por conta própria numa van com a família. Todos estão ansiosos pelo passeio que promete ser um espetáculo de belezas naturais, aventura a ser recordada para o resto da vida de todos os participantes.

Nós, já conhecedores do esquema narrativo, sabemos que as coisas vão dar errado. E não demora para o grupo atravessar um atalho não autorizado, inclusive, pelas placas de sinalização. Lá, eles encontram o primeiro animal que inicialmente parece pacato. Um rinoceronte, colocado em cena pelos efeitos visuais supervisionados pela equipe de Hilton Treves. A aparência pouco convincente do filhote é superada pelo melhor trabalho gráfico com a mãe rinoceronte que num ataque defensivo, vira o carro do grupo. Desse incidente surgem tantos outros com um felino, hienas e outras ameaças, até o encontro com um grupo de caçadores ilegais, comandados por Mitch (Jerry O’Connell), líder de uma ação nada conectada com a preservação ambiental, figura que não os riscos de deixar a família se salvar, mesmo depois de tantos contratempos. Eles são testemunhas dos absurdos na matança dos rinocerontes perpetrada pelos caçadores e elimina-los parece o caminho mais coerente dentro de sua lógica.

O embate, no entanto, não será fácil para nenhum deles. Vai ter sangue, luta e após enfrentar tantos desafios com a vida selvagem, os familiares resistem com força, numa história que se alonga demais, traz algumas breves reviravoltas e se mostra menos desinteressante do que o imaginado pela sinopse e divulgação do conteúdo antes do inicio da sessão pelo espectador. Na direção de fotografia, Brendan Barnes entrega alguns planos interessantes, razoáveis como a condução musical de Scott Shields. As cenas noturnas funcionam bem, da mesma forma que as passagens ensolaradas. O final melodramático demais não estraga o resultado geral e a sensação que temos é a de que conferimos uma narrativa amarrada, com um roteiro que evita aleatoriedades e explica de maneira matemática tudo o tempo todo. A filha ambientalista escolhe garrafas de vidro para a viagem, pois o uso de plástico danifica o meio ambiente, etc. Mais adiante, com o acidente, as garrafas quebram e todos ficam sem água potável para consumo. Espécies em Perigo é todo guiado assim, em uma arquitetura dramática coesa, conectada entre vários pontos, menos impactante e com sensação de mais do mesmo por ser uma história já contada numerosas vezes e, em alguns casos, com resultado mais satisfatório.

Espécies em Perigo (Quênia/Estados Unidos, 2021)
Direção: M.J. Bassett
Roteiro: M.J. Bassett, Isabel Bassett, Paul Chronnell
Elenco: Rebecca Romijn, Philip Winchester, Michael Johnston, Isabel Bassett, Michael Johnston, Chris Fisher, Jerry O’Connell, Brenda Ngeso, Aseem Sharma, George Glenn Ouma
Duração: 101 min

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