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Crítica | Esposa de Mentirinha

por Matheus Carvalho
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Quem nunca brincou de telefone sem fio quando era criança? Os participantes da brincadeira tem que repassar uma frase ao ouvido do colega mais próximo até chegar no último e o objetivo é que a mensagem chegue o mais próximo possível da original. Bom, aparentemente foi isso o que aconteceu com Esposa de Mentirinha. A história é baseada numa peça teatral francesa, que nos anos 1960 foi levada para a Broadway e em 1969 foi adaptada para as telonas no filme Flor de Cacto. No longa, o papel da esposa de mentirinha foi protagonizado por ninguém menos que a lenda do cinema Ingrid Bergman, estrela de clássicos como Casablanca e Quando Fala o Coração. O filme foi indicado a vários prêmios no Globo de Ouro e ainda levou o Oscar de Melhor atriz coadjuvante para Goldie Hawn (A Morte Lhe Cai Bem) no papel da jovem enganada. No entanto, como geralmente acontece nas brincadeiras de telefone sem fio, a mensagem chega um pouco distorcida ou faltando pedaços ao último participante. Em Esposa de Mentirinha, faltou inspiração.

Claro que Adam Sandler é o rei do carisma e seus filmes sempre vão fazer sucesso com o público. Basta olhar qualquer lista de fim de ano da Netflix e seu nome estará sempre no topo com os mais assistidos, mas isso não significa qualidade garantida. E aqui não estou nem cobrando que ele fosse fiel ao longa de 1969, até porque o filme nunca foi vendido como um remake, apenas uma adaptação levemente inspirada. Mas o ponto é que ele teve no que se inspirar e ainda sim entregou um resultado forçado e pouquíssimo criativo. E quando eu digo “ele” como se a culpa fosse do Adam Sandler, é porque quase todos os seus filmes, desde O Paizão, são feitos pela sua própria produtora, a Happy Madison, e Esposa de Mentirinha não é diferente. Sandler atua como produtor e o diretor escolhido, Dennis Dugan, é o maior senso comum dentro da produtora, tendo já dirigido filmes como Happy Gilmore, O Paizão, Eu os Declaro Marido e… Lary e Gente Grande, o que mostra que o filme foi feito completamente no piloto automático.

O roteiro de Allan Loeb e Timothy Dowling se encaixa na mesma estrutura de praticamente todos os filmes do Adam Sandler. A diferença está basicamente na profissão do personagem do ator, que já foi veterinário, arquiteto, cantor e jogador de todos os esportes possíveis. Aqui, Sandler interpreta Danny Maccabee, um cirurgião plástico de sucesso que usa uma aliança para fingir que é casado e chamar a atenção das mulheres. Justo quando ele se apaixona, sua nova namorada exige conhecer a esposa de Danny e garantir que de fato eles estão se separando e que as coisas vão ficar bem entre eles. Sem saída, o cirurgião recorre à sua secretária Katherine, interpretada por Jennifer Aniston, para ser sua esposa de mentirinha. Mesmo relutante, ela aceita e ainda coloca seus dois filhos como parte do casamento falso. Para mostrar que é um pai presente, Danny atende ao pedido do filho caçula e leva todos para passar uns dias de férias no Havaí, montando o cenário perfeito para tudo dar errado.

O problema do filme começa quando todo o contexto é contado nos primeiros quinze minutos de tela. É tudo muito apressado e atropelado. Parece que o roteiro está desesperadamente tentando jogar logo o espectador para dentro da confusão e qualquer introdução é mera perda de tempo e desvio do foco principal. Não consigo enxergar essa fórmula de outra forma senão uma subestimação da capacidade do público entender mais do que alguns minutos de explicação. Mas, sejamos justos, os filmes do Adam Sandler são todos assim e seria covardia analisar Esposa de Mentirinha como uma obra de arte inovadora e rompedora de paradigmas.

Sendo assim, vamos julgar o filme pelo que ele mesmo se propõe a ser: uma comédia leve e descompromissada. Adam Sandler está completamente à vontade no papel, fazendo a linha do garanhão acostumado a se dar bem. Aqui seu personagem tem um tom equilibrado e um humor que se situa bem dentro das cenas, sem parecer aquela coisa escrachada e forçada. Sua dinâmica com a personagem de Jennifer Aniston é minimamente divertida e os dois interagem de maneira bem orgânica. No entanto, os méritos do filme não conseguem passar muito disso.

Primeiramente, o personagem de Sandler se apaixona e faz de tudo para conseguir ficar com a professora Palmer, interpretada por Brooklyn Decker, mas o que o filme menos mostra é os dois juntos. Se você parar para refletir no meio do filme, todo o esforço que ele está fazendo não faz o menor sentido, porque até aquele momento os dois apaixonados não passaram mais que uma noite juntos. Simplesmente não dá para comprar. Nesse momento o roteiro colhe os resultados de não ter investido mais na introdução do dois personagens e no relacionamento entre eles.

Outro problema é a repetição das piadas. Os personagens secundários são quase todos irritantes e insuportáveis. As crianças até rendem uma simpatia inicial, afinal são crianças, mas depois da terceira vez em que a filha mais velha repete aquele sotaque britânico você já está revirando os olhos. O personagem de Nick Swardson nem se fala, consegue ser de um mal gosto constrangedor. Sua versão “original” mostrada nos primeiros minutos já não era lá essas coisas, mas quando ele precisa passar metade do filme fingindo ser um criador de ovelhas alemão a noção vai embora completamente. Já Nicole Kidman consegue tirar algumas risadas com sua personagem egocêntrica e competitiva, mas a verdade é que seu tempo de tela fica no limite para salvar sua participação antes que ela se tornasse exageradamente cartunesca.

Esposa de Mentirinha não é completamente descartável. O longa tem algumas piadas engraçadas e cenas que você certamente se lembra até hoje, como a disputa de dança entre Jennifer Aniston e Nicole Kidman. No entanto, o saldo da obra ainda é bem negativo. Mesmo ignorando completamente qualquer comparação com a obra que inspirou o longa, a falta de criatividade do roteiro deixa o filme longe dos melhores do ator, mesmo se colocarmos na disputa somente os que têm a mesma proposta de comédia romântica. 

Esposa de Mentirinha (Just Go With It) – EUA, 2011
Direção: Dennis Dugan
Roteiro: Allan Loeb, Timothy Dowling
Elenco: Adam Sandler, Jennifer Aniston, Nick Swardson, Brooklyn Decker, Nicole Kidman, Dave Matthews, Bailee Madison, Griffin Gluck
Duração: 117 min.

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