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Crítica | Esquadrão Suicida (Com Spoilers)

por Guilherme Coral
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estrelas 2

Obs: Se você não observou o título da presente crítica, saiba que HÁ SPOILERS a seguir. Só leia se já tiver assistido ao filme ou não se importar com eles. Caso não tenha assistido, leia nossa crítica sem spoilers.

Obs 2: Special thanks ao nosso querido Ritter Fan, que contribuiu muito nesta crítica.

Desde as primeiras imagens liberadas de Esquadrão Suicida, a obra quase que automaticamente ganhou um hype gigantesco. A expectativa de ver o peculiar Coringa de Jared Leto e a Arlequina de Margot Robbie tomou de assalto os tópicos nas redes sociais e a ansiedade apenas aumentou com os trailers liberados – que fugiam do estilo de Batman vs. Superman e, de fato, não nos entregavam nada do enredo. Desolados ficamos, portanto, ao sair da sala do cinema após termos nos deparado com um filme “Frankenstein”, uma verdadeira colcha de retalhos que tenta ser inúmeras coisas ao mesmo tempo sem conseguir efetivamente ser nenhuma delas. Mas, antes de entrarmos nos detalhes, vamos passar pela conturbada produção do longa-metragem.

O filme foi anunciado em 2014, juntamente com outras inúmeras produções da DC Comics em conjunto com a Warner, oferecendo uma janela de dois anos até seu lançamento, agora, em 2016. Inúmeras fontes, contudo, confirmam que o ainda inexperiente com blockbusters, David Ayer, diretor do filme, teve de trabalhar como um maratonista, terminando o roteiro em apenas seis semanas e dando prosseguimento às filmagens. A situação ainda não ajudou quando toda a campanha publicitária da obra nos apresentou um longa mais descontraído, fugindo do clima tipicamente sombrio das produções da DC desde O Homem de Aço. Esse fato influenciou diretamente a decisão do estúdio em realizar novas filmagens (o que não é e nunca foi incomum na indústria cinematográfica) a fim de amenizar a seriedade do filme, especialmente após a derrota sofrida em A Origem da Justiça, que gerou dois cortes: a versão do diretor (mais “séria”) e a do estúdio (com mais comédia).

Justamente essa tentativa de mudança de tom trouxe um imediato deslize dentro da narrativa, já que a versão que ganhou as telas foi um híbrido dos dois cortes, conforme acordado entre a produção e o próprio Ayer (ou pelo menos é isso que as notícias indicam). Do início ao fim sentimos como se Esquadrão Suicida tentasse ser engraçado e fúnebre ao mesmo tempo e o que ganhamos é uma mistura heterogênea dos dois, uma constante quebra de imersão que não permite o leitor se fixar na tela pela tensão ou se entregar à obra pela diversão descontraída. Piadas mal escritas e soltas a todo momento se perdem dentro de uma trama que tenta trazer um considerável nível de seriedade. É como se o naturalismo nos pedisse suspensão de descrença e ficamos sem entender o que de fato ocorre, qual o objetivo de estar aqui presente. Basta pegar uma das icônicas cenas de Amanda Waller (Viola Davis), na qual ela atira friamente na cabeça dos agentes que compartilham com ela a sala onde ela está, para ser resgatada pelo Esquadrão Suicida, apenas para não deixar testemunhas. É isso o que se pode esperar de um filme que busque trazer descontração? E vejam, não estou falando de humor negro. Conclui-se que o marketing envolvendo o longa foi equivocado, nos enganou, apresentando um produto muito diferente do que assistimos nos cinemas.

A inconstância atmosférica dessa narrativa é apenas acentuada pela ausência de construção de personagens propriamente dita. Dos membros da equipe em questão, apenas Pistoleiro (Will Smith) apresenta uma certa profundidade, consequência evidente do contrato do ator, que sempre pede determinado tempo em tela, além da posição de protagonista, que, sim, acaba assumindo dentro do longa. E já afirmo que história pregressa não é o sinônimo de construção, a menos que isso seja apresentado aos poucos no roteiro e não apenas jogado em nossa cara em um briefing didático na introdução.

Analisemos cada um deles separadamente, aliás.

Arlequina (Margot Robbie) começa e termina como a amante do Coringa, é uma mulher que nasceu e permaneceu louca, sua decisão de ficar com o grupo foi motivada apenas pela suposta morte do Palhaço do Crime, conclusão que é sustentada por uma das cenas finais quando ela é resgatada e simplesmente foge com o psicopata. Rick Flag (Joel Kinnaman) é um soldado que se apaixonou por June Moone (Cara Delevingne) e não muda em nada durante toda a projeção, apenas demonstra-se mais amigável ao Esquadrão após uma luta, sustentando sua posição como militar, na medida em que os enxerga como companheiros de combate. June – ou Magia – também tem seu status fixado nos primeiros minutos da obra, mas o maior problema de sua personagem abordaremos posteriormente. Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje, evidentemente subaproveitado) é um homem que se parece com um réptil, mas que, no fundo, é o clássico “não fede nem cheira”. Capitão Bumerangue (Jai Courtney) é simplesmente para dar risadas pela interpretação enlouquecida do ator que parece encarnar Tom Hardy em Mad Max: Estrada da Fúria. Seu personagem ganha uma e apenas uma caracterização: ele é australiano. Pronto, só isso. Ah, e tem o Flash também em uma ponta para agradar fãs e conectar o personagem à sua origem dos quadrinho como vilão do Velocista Escarlate. Amarra (Adam Beach), bem, você se lembra que ele estava no filme? Somente serve como bucha de canhão. El Diablo (Jay Hernandez) ainda oferece algum mistério e consegue ter uma história pregressa até razoável, mas é resolvido em instantes e em nada acrescenta à progressão narrativa. Katana (Karen Fukuhara)  é apenas a segurança de Flag, com uma espada oriental cujos poderes de absorver a alma soam mais como easter-egg que um elemento de construção narrativa. Por fim, o Pistoleiro tem uma rasa construção em virtude do amor incondicional que sente por sua filha.

Mas esse é um filme de ação, feito para nos divertir, não precisamos de muita lenga-lenga, não é? Evidentemente discordo de tal afirmação, mas mesmo quem concorde com ela não encontra nada de interessante em Esquadrão Suicida. As cenas de ação são simplesmente mais do mesmo, repetitivas ao extremo – tiro para cá, tiro para lá, bastões de beisebol e socos. Vez ou outra temos espetáculos pirocinéticos de Chato, mas eles se resumem a duas cenas do filme. Não há criatividade alguma e tudo fica pior com a direção hiperativa de David Ayer e a montagem frenética de John Gilroy, que não nos permitem entender grande parcela do que se passa na tela, algo intensificado pela fotografia muito escura. Isso retira qualquer espaço para qualquer personagem, de fato, “brilhar” (exceto, talvez, o Pistoleiro, com suas balas infinitas em cima do carro, dizimando os capangas genéricos da antagonista). Todas as sequências de ação são reduzidas a cortes repentinos e constantes e uma câmera que parece estar na mão de um diretor de fotografia que bebeu litros e mais litros de café com energético.

Mesmo o clímax da obra não consegue, de fato, nos surpreender ou mesmo trazer qualquer senso de urgência, perigo ou novidade. Tudo parece muito genérico e mal-pensado, como se tivesse sido inspirado em filmes B como A Múmia ou semelhantes. E isso a começar pela morte do irmão de Magia, que come o pão que El Diablo amassou apenas para ser morto por uma explosão qualquer – considerando o grau de poder que é alardeado aos quatro ventos, poderiam pelo menos ter utilizado efeitos um pouco mais dramáticos, ao invés do impacto contido e quase off camera que observamos na sequência. Magia ainda cai no truque mais velho já visto (e ela tem mais de seis mil anos de idade…) e qualquer drama ou essencial mudança que Flag poderia ter vivenciado é simplesmente descartado em instantes com sua ressurreição clichê segundos depois de morrer. Custava deixar pelo menos um personagem relevante morrer? Isso tudo sem falar na questão que o time, quase que na totalidade, não faz absolutamente nada durante essa batalha final (Crocodilo é a exceção e tem a única participação significativa na projeção), servindo, porém, apenas para repetir mais do mesmo.

Não bastasse isso, o objetivo principal do grupo, o que os faz serem colocados em ação pela primeira vez, é incrivelmente anti-climático. Vamos invadir o Nakatom…, digo o prédio genérico no meio da cidade, enfrentando ameaças sem rosto que morrem aos borbotões com dois ou três tiros somente para… suspense… resgatar Amanda Waller! Sei que Ayer teve pouco tempo para escrever o roteiro, mas não é possível que ele não conseguisse inventar algo marginalmente mais interessante para todo o mistério que é montado e trabalhado desde os primeiros minutos da missão.

Falando nisso, resgatar Amanda Waller, a única personagem feminina verdadeiramente forte do filme, apenas reforça o tom estranhamente machista do longa, colocando-a como uma espécie de princesa em apuros (ainda que uma donzela com sangue nos olhos e mais má que todos os membros do Esquadrão juntos e elevados à décima potência). Esse tom repercute por toda a projeção e não se transmite apenas na desnecessária sexualização da Arlequina e de Magia (ela realmente precisava aparecer seminua?!). Percebam como todas as mulheres apresentadas são dependentes de um homem – Arlequina/Coringa, June/Rick Flag e Katana/Rick Flag. Não custaria mostrar uma cisão entre o palhaço do crime e sua amante, ou um ato de força de June, tentando controlar Magia? Ao invés disso, são colocadas em posição de fragilidade e tóxica dependência, com direito até ao sonho da vida da Arlequina que – esse sim foi uma surpresa, mas ruim – é ser dona de casa em uma casinha no subúrbio americano, com dois filhos e Jared Leto (não o Coringa) como marido! Isso tudo ainda é coroado pelo fato da mãe da filha do Pistoleiro sequer aparecer, insinuando que a vida da menina se resume ao pai – o fato de ele exigir a guarda através de um acordo que não inclui a mãe apenas agrava esse fator, como se ela não fosse capaz de cuidar da menina sem a presença de um macho alfa que, por acaso, é um assassino de aluguel.

Curioso é como a presença do Coringa no filme funciona apenas como elemento fragilizador da Arlequina. Se suas aparições apenas se resumissem aos flashbacks, não haveria qualquer problema, até porque uma das melhores sequências da fita – a lírica origem “tóxica” de Arlequina – está lá. No entanto, suas ainda curtas aparições (mais uma marca da enganadora campanha de marketing) no presente não influenciam em nada no roteiro. Trazem apenas cenas adicionais, muitas das quais funcionam em narrativa paralela, e que em nada afetam na progressão geral do longa. Sua quase morte é a prova disso; cria uma tristeza imediata em Quinn, apenas para ser ocultada pela tentativa de clímax que viria pouco depois. O próprio trabalho do talentoso Jared Leto deixa muito a desejar. Não dá nem para começar a comparar a atuação farsesca e afetada de Leto tentando ser e ao mesmo tempo não ser Heath Ledger, com a do falecido e saudoso ator que, esse sim, personificou de maneira impressionante o Coringa em O Cavaleiro das Trevas. Pode-se dizer, portanto, que o clássico arqui-inimigo do Homem-Morcego está aqui presente apenas por puro fan-service, especialmente nas sequências que, como já disse o Lucas Nascimento em sua crítica sem spoilers, parecem um videoclipe da Madonna.

E esse teor de music video ainda se expande para outras parcelas da projeção, mais especificamente na apresentação de cada personagem. Aqui presenciamos um verdadeiro exagero quando se trata da trilha sonora, pois cada sequência é acompanhada de uma canção diferente, apenas trazendo uma fragmentação narrativa maior, que poderia ser contornada por uma faixa única, que permaneceria de um a um. Não posso deixar de indagar se a intenção não era se inspirar (ou simplesmente copiar) elementos da fantástica sonoridade de Guardiões da Galáxia, inclusive, uma das músicas tocadas no filme, Spirit in the Sky, já foi escutada em um dos trailers do filme da Marvel e antes que os ensandecidos fãs me ataquem, me chamando de Marvete, saibam que meu herói preferido sempre foi o Lanterna Verde, seguido pelo Batman.

Esquadrão Suicida, porém, apesar de todos os graves problemas trazidos muito provavelmente pelo casamento infeliz entre a inabilidade diretorial de Ayer com a insegurança da Warner/DC, tinha a genética do sucesso. A proposta era arriscada, os personagens, apesar de desconhecidos do público em geral, eram interessantes e o que vinha sendo mostrado aqui e ali dava a impressão de algo diferente, talvez inovador ou no mínimo ousado. O resultado, porém, serve como mais um alerta do que o hype pode trazer: um gigantesco desapontamento. Eu verdadeiramente torcia pela qualidade da obra, mas saí da sala de cinema com um gosto amargo provocado por um filme que tenta ser mil coisas sem conseguir ser nenhuma de verdade. Infelizmente, a DC perde mais uma grande oportunidade de efetivamente estabelecer sua voz firme no gênero de filmes de super-heróis e montar seu Universo Cinematográfico de maneira coesa, fazendo-nos questionar se a era dos super-heróis no cinema já não está se estendendo por tempo demais ou se é só mesmo um problema de insegurança da editora e produtora. Evidentemente, um fracasso de crítica não significa uma derrota nas bilheterias, mas custo a acreditar que a maioria dos espectadores que consigam pensar além da devoção cega a seus personagens favoritos, chegue a apreciar de verdade, do fundo do coração, esse filme-frankenstein.

Esquadrão Suicida (Suicide Squad – EUA, 2016)
Direção: David Ayer
Roteiro: David Ayer
Elenco: Will Smith, Jared Leto, Margot Robbie, Viola Davis, Jay Hernandez, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Cara Delevingne, Joel Kinnaman, Adam Beach, Jai Courtney
Duração: 123 min.

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