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Crítica | Esqui (2021)

por Michel Gutwilen
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Na minha crítica do ótimo filme brasileiro Canto dos Ossos, eu chamo atenção para a ressignificação política que ele faz espacialmente de Búzios. Este pequeno município do Rio de Janeiro é um ponto turístico muito popular da classe média alta e normalmente a visão que se tem dele no imaginário popular carioca é de ser apenas um lugar para passar o final de semana ou ir de férias, para curtir uma praia. Que turista conhece Búzios para além da Rua das Pedras? Obviamente, é claro que existe toda uma cidade real ao redor desta cidade imaginária. Pouco se lembra que há moradores, economia local, espaços periféricos e tudo mais que existe numa cidade não-turística. O que esta obra fez foi redirecionar o olhar para esses espaços e pessoas esquecidas através de uma narrativa mitológica e fantasiosa. Se dou toda essa volta para falar de Esqui, co-produção argentina e brasileira, é porque na verdade ele faz praticamente o mesmo movimento com Bariloche, no sul da Argentina.

Inicialmente, o filme começa reforçando farsescamente a visão popular que se tem da cidade, como o próprio título indica. Ora, Bariloche é o lugar das estações de esqui e das montanhas. Inclusive, o diretor Manque La Banca chega a entrevistar alguns turistas que estão naquela região, cada um indicando uma nacionalidade diferente. Ou seja, primeiro são vistos os turistas e não os nativos. A quem pertence este espaço? Em continuidade a esse olhar inicial, o filme se mostra interessado pela fotogenia daquelas montanhas obviamente muito bonitas de serem enquadradas, além de buscar uma certa musicalidade dos movimentos feitos dos esquiadores, filmados em câmera lenta. É como se Esqui realmente fosse se limitar a ser uma propaganda institucional que vendesse aquela região como se fosse feita para turistas assistirem. Só que não.

Daqui pra frente, o diretor faz um movimento contrário, abandonando os turistas para se focar nos nativos daquela região, no acompanhamento solitário de suas rotinas, onde começam a contar histórias folclóricas de Bariloche. É neste momento que Esqui se torna uma obra estranhíssima, no bom sentido, indo para caminhos completamente inesperados, ao invés de ser uma narrativa documental tradicional em que somente se entrevista as pessoas frontalmente. Na verdade, desde o início, já é possível sentir um certo estranhamento nos procedimentos de mise-en-scène feitos por Manque La Banca. Algumas vozes das entrevistas parecem distorcidas, as imagens aproveitam os planos gerais para evocar a solidão daquele lugar, os humanos parecem fantasmas vagando pela neve, e, de repente, o filme passa a se deixar tomar conta de um forte mal estar, ainda que muito sem explicação. 

O que faz o diretor é justamente materializar e dar vida aos contos folclóricos e lendas que rondam a região de Bariloche, mostrando frontalmente algumas dessas criaturas de uma maneira um tanto quanto macabra, que ganham este contorno justamente porque a fantasia se insere de um modo muito surpreendente nesta obra documental. Ao acreditar na cultura local em seu filme, trabalhando na fronteira do real e o imaginário, La Banca encontra um jeito muito criativo de valorizar aquela região e seu povo, a partir da transformação em imagens de suas histórias passadas de boca-a-boca pelas gerações de seus moradores, como se fossem uma resistência histórica que resiste com o tempo (e agora eternizadas do Cinema). Mais do que isso, ao fazer este tipo de movimento, o filme também faz um outro tipo de afirmação, que é a da natureza frente ao homem. Afinal, se hoje aquelas montanhas são utilizadas dentro de um contexto comercial pelo homem, Esqui devolve à natureza uma força própria, como uma entidade autônoma.

Apesar de ser um elemento um pouco confuso dentro de sua fantasia, discursos políticos mais diretos também vão surgindo na história, como se fossem uma camada escondida no fundo do mar e que vai submergindo pela narrativa, com um caráter fantasmagórico, neste movimento de revelação de um passado oculto que não é mostrado para turistas. De modo geral, importante aqui, ainda que de maneira nem sempre tão clara, são os tipos de novos olhares que o filme busca para aquilo que parece oculto sobre Bariloche. Após entrevistar um grupo de trabalhadores locais da região em um momento de Esqui, este belo trecho termina com um deles agradecendo “Obrigado por mostrar o que fazemos”.

Esqui (Esquí, 2021) — Argentina, Brasil
Direção: Manque La Banca
Roteiro: Manque La Banca
Elenco: Barbara Anguita, Matilde Apellaniz, Segundo Botti, José Alejandro Colin, Fernando Gabriel Eduard, Shaman Herrera, Manel Medina, Aixa Iara Snaidman, Antonio Snaidman, Axel Nahuel Villegas
Duração: 74 mins.

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