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Crítica | Estação Temple – 1ª Temporada

Uma jornada de questionamentos éticos e salvação de vidas.

por Leonardo Campos
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Moral: noções, normas e valores daquilo que é considerado permitido ou proibido numa determinada sociedade. Os códigos morais são considerados necessários para a nossa existência com o “outro”, pois se não fosse assim, o mundo seria um caos e todo mundo faria aquilo que bem quer e entende. No geral, a moral pode ser compreendida por um conjunto de convenções que regem o convívio social, sancionadas para permitir harmonia entre os indivíduos que compõem a nossa tessitura cotidiana. Apesar da moral ser uma construção cultural, vide as diferenças, por exemplo, entre o que é aceitável ou não entre pessoas brasileiras e afegãs, há elementos de sua composição que nos reforçam alguns limites que não podem ser ultrapassados. Mais uma ilustração: a ética médica e o posicionamento correto deste profissional conhecido por salvar vidas, na realidade e na ficção. Como poderemos confiar num cirurgião que exerce atendimentos clandestinos, fora de um centro hospitalar, e assim, numa postura de desobediência ao que rege o sistema, indo de encontro ao que está legalizado, mesmo que seja para dar maiores chances de vida para pessoas alijadas do abrupto e seletivo sistema de saúde?

Tais proposições estão presentes no desenvolvimento de Estação Temple, série em oito episódios que nos apresenta a jornada do cirurgião Daniel (Mark Strong), homem movido cotidianamente por uma tragédia avassaladora, a resolver suas questões com o estabelecimento de uma clínica clandestina nos subterrâneos da cidade, local onde atende pessoas não interessantes para o sistema de saúde elitista, reto e excludente. Lá, ele dá assistência aos que estão à margem da sociedade: pobres, pessoas em situação de rua e até mesmo criminosos, estes últimos, assuntos que já tangenciam os diversos dramas médicos existentes na contemporaneidade. Operar ou não um traficante? Devo dar socorro ao pedófilo que ceifou a vida de jovens crianças? Onde estão os limites para tais questionamentos. Na série, o fio tênue entre o que habita a zona da moral e o que está fora dos ditames legais entram em profusão, num constante debate que levanta pontos sobre o que é certo e errado, como já mencionado na abertura desta reflexão, num programa cheio de dilemas acerca da subversão de regras. Juntamente com Lee (Daniel Mays) e Anna (Carice Von Houten), o protagonista coloca tudo que pode em jogo e vive perigosamente nas entranhas subterrâneas de uma estação de metrô.

No primeiro episódio, Daniel coloca a sua moral em jogo. Ele termina o projeto de sua clínica e tem como alvo central, salvar a vida da esposa, Beth (Catherine McCormack), médica e pesquisadora acometida por uma doença sem cura, desenganada pelos meios médicos tradicionais. Obstinado, seu foco é a redenção, algo que se torna cada vez mais perigoso, ao passo que o envolvimento com pessoas de caráter duvidoso pode destruir para sempre não apenas a sua vida, mas a de seus cúmplices, num jogo extremamente caótico e tenso. Adiante, coloca uma ex-colega de sua esposa, funcionária do hospital, numa posição bastante desconfortável, algo que pode expor o seu projeto considerado antiético. No terceiro, quarto e quinto episódio, uma montanha-russa de tensão é estabelecida, com Daniel se aproximando de um comportamento que ele sequer imaginou algum dia para a sua vida, em especial, a associação com o comércio clandestino de órgãos, atitude que muda o rumo de muitas coisas até então. Logo mais, na reta final da empreitada, mais decisões sem possibilidade de retorno são tomadas. A clínica está cada vez mais em risco, tal como a sanidade do cirurgião.

Esteticamente, o programa é muito bem concebido. Há uma divisão entre os ambientes iluminados e sofisticados da parte superior, onde as coisas “padronizadas” acontecem, diferentemente do subterrâneo, onde o musgo é o tom predominante. Na direção de fotografia, David Roger emprega a luz amarela para nos permitir vislumbrar o espaço onde o médico exerce ilegalmente as suas ações, iluminação focada na constatação de uma atmosfera sombria, voltada ao processo de estabelecimento do tom proibido das ações ali desenvolvidas. Assertiva nas diversas passagens de momentos noturnos, a concepção fotográfica do programa é habilidosa ao captar o melhor do design de produção, passagens acompanhadas pela condução sonora de Matthew Herbert, também muito adequada para as propostas do programa, dirigido com maestria por Erik R. Strando, realizador que se embasa nos textos de Mark O’Rowe, o criador desta série veiculada no canal Sky One em 2021, com segunda temporada que deve focar nos ganchos deixados no episódio final deste primeiro ano, muito interessante em sua proposta.

Em linhas gerais, Estação Temple é uma série sobre pessoas em encruzilhadas. A série nos faz refletir que apesar de haver compêndios filosóficos, tipo Imannuel Kant, apenas para trazer um exemplo, nos já sabemos o que é considerado “certo” ou “errado”. O que acontece é que muitos leitores e críticos da filosofia utilizam tais textos para subsidiar os seus respectivos pontos de vista acerca daquilo que consideram o que é correto e o que é inadequado dentro da existência numa sociedade. Como já mencionado na abertura, basicamente, o conceito de moral dialoga com as noções, sobre o que é proibido e permitido, certo ou errado. A questão da série é demonstrar como o protagonista dialoga com tais preceitos no exercício de suas ações, realizadas constantemente em momentos extremos. Cientificamente, pesquisadores alegam que dificilmente usamos a razão para decidir as nossas atitudes e dilemas. Devo concordar, pois na maioria dos casos, a filosofia não consegue dar conta do aperto que sofremos face aos obstáculos angustiantes que em muitas ocasiões, nos esmagam impiedosamente. É assim não apenas com o protagonista da série em questão, mas com os coadjuvantes que gravitam em torno de suas ações consideradas perigosas, capazes de anularem para sempre a sua condição profissional com alguma chance de reajuste. Corajoso, o Dr. Daniel, interpretado magistralmente por Mark Strong põe em risco a sua vida para salvar existências alheias. Tudo por um preço altíssimo, quase sempre sem barganha.

Estação Temple (Temple) – 1ª Temporada – Reino Unido, 2019
Criado por: Mark O’Rowe
Direção: Christopher Smith, Shariff Korver, Luke Snellin, Lisa Siwe, Frederik Louis Hviid
Roteiro: Mark O’Rowe, Erik Richter Strand, James Allen
Elenco: Mark Strong, Daniel Mays, Lily Newmark, Marion Bailey, Hiten Patel, Chloe Pirrie, Carice van Houten, Sam Hazeldine
Duração: 08 episódios de 45 min, cada

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