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Crítica | “Estava Escrito” – Ney Matogrosso

Baladas tocantes.

por Iago Iastrov
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Depois de dirigir o show-homenagem no Prêmio Sharp de 1993, que celebrou dois gigantes da nossa música, Angela Maria e Cauby Peixoto, Ney Matogrosso ficou tão encantado com as canções da Rainha do Rádio que decidiu se aprofundar naquele universo. Foi então que ele descobriu um lado completamente novo de si mesmo como intérprete. E assim nasceu Estava Escrito, o disco que acabou inaugurando uma nova fase na carreira de Ney: a dos álbuns temáticos dedicados a grandes nomes da MPB. Marco Mazzola assinou a produção, colocando em prática toda a experiência acumulada, ao acompanhar as reinvenções do cantor desde o final dos anos 1970. Curiosamente, esse disco foi o último da discografia de Ney a sair em vinil: um adeus simbólico àquela era que o próprio repertório celebrava.

A produção apostou na intimidade e na simplicidade. O grupo Aquarela Carioca (em sua terceira parceria com Ney) criou arranjos bem enxutos, num clima perfeito para uma comunicação mais direta com o público. A mixagem deixou a voz soar de forma natural, revelando uma maturidade que só se conquista após décadas dedicadas à música. O resultado foi uma ponte verdadeira entre diferentes momentos da música brasileira, sem cair em nostalgias sentimentais, mas oferecendo uma releitura contemporânea, com sotaque noventista, que respeita e reinventa a tradição.

As primeiras faixas definem bem o território emocional do álbum. Estava Escrito constrói um clima contemplativo, transformando cada palavra em pequenos momentos dramáticos que dão nova vida ao texto. Desejo revela facetas completamente inéditas da canção original, com Ney encontrando uma sensualidade contida, navegando pelas linhas melódicas e ampliando o significado da letra. Escuta, minha favorita do disco, é uma verdadeira aula de interpretação: Ney desliza pela base de piano e violão, com direito a uma pequena surpresa instrumental na segunda parte. Só Vives pra Lua traz a participação da própria Angela Maria, criando um diálogo geracional em que duas maneiras distintas de abordar a canção romântica se encontram e se completam. Nem Eu mostra o cantor explorando alguns registros com uma naturalidade impressionante, sempre muito doce e brincalhão com o tema.

A elegantíssima Orgulho ganha camadas mais íntimas e tocantes nesta versão, enquanto Saia do Caminho mantém uma energia controlada (mas não menos impactante), uma confissão feita exclusivamente ao piano. Fósforo Queimado transforma-se em uma pequena peça dramática de intensidade latina, envolvente, e Recusa traz uma formação musical muito interessante para o tema: trompete, baixo e flugelhorn, um arranjo bastante diferente que acompanha a faixa com um belo ar de novidade. Balada Triste faz a ponte para o final do disco, uma faixa melancólica, desalentada, mas não derrotista, cantada com clareza e precisão aplaudíveis.

O encerramento com Amendoim Torradinho, Lábios de Mel e Babalú sustenta a coerência do conjunto. A primeira explora uma faceta abertamente cômica do repertório, sem abrir mão da precisão técnica; a segunda revela uma delicadeza dançante; e a terceira recria o mambo clássico com um tempero diferente. Estava Escrito é um disco soberbo de memória musical brasileira, provando que revisões de clássicos feitas por grandes artistas podem gerar pérolas que vão além do tributo. Na discografia de Ney Matogrosso, este é mais um capítulo de sua maturidade como intérprete, fundindo técnica e sensibilidade ao interpretar repertórios consagrados sob uma perspectiva contemporânea.

Aumenta!: Escuta
Diminui!: 

Estava Escrito
Artista: Ney Matogrosso
País: Brasil
Lançamento: 1994
Gravadora: Mercury/Polygram
Estilo: MPB, canção romântica brasileira, mambo, bolero, balada melódica
Duração: 43 min.

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