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Crítica | Estômago 2: O Poderoso Chef

Nonato em segundo plano e foco na chegada de mafioso.

por Leonardo Campos
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Com os mesmos ingredientes da receita “original” de 2008, Estômago 2: O Poderoso Chef chega aos cinemas com um sabor de antologia, mas sem o mesmo impacto do seu ponto de partida. Isso não quer dizer, caro leitor, que estamos diante de um prato cinematográfico descartável, ou fast-food, ao contrário. O filme é delineado por muitas especiarias dramáticas, com momentos intrigantes e, por sua vez, envolventes. João Miguel, um dos patrimônios do cinema brasileiro, volta com o seu personagem Raimundo Nonato, o irreverente e irônico faxineiro de um bar que descobre o seu talento para a culinária e pavimenta um caminho repleto de peripécias, dentre elas, o relacionamento com uma prostituta e as confusões dentro da prisão, local onde se torna uma referência para os detentos, em especial, para o traficante Etcétera (Paulo Milkos). Agora, quase vinte anos depois de Estômago, um sucesso de crítica e bilheteria em 2008, o protagonista retoma sua presença em cena para lidar com um novo desafio: a chegada do mafioso Dom Caroglio (Nicola Siri), uma esférica figura ficcional que também gosta de cozinhar, além de dominar. Leia-se: ele quer ser o novo líder do ambiente por onde trafegam os demais.

Isso, obviamente, desagrada o personagem de Miklos. Ninguém quer largar o posto de poder, afinal, este é um recurso que garante sobrevivência. Como o mafioso curte os sabores ofertados por Nonato, uma crise se estabelece. O novato quer exclusividade e a liderança anterior não gosta nada desse estabelecimento espaçoso. O cozinheiro, diante de ambos, precisa tomar uma decisão, assumir um partido, mas para qual lado pender? É desse mote que a continuação com pegada antológica se desenvolve ao longo de seus 100 minutos, guiados com firmeza por Marcos Jorge, cineasta que além de assumir a direção, assina o roteiro inspirado em um argumento de sua autoria. O realizador atua em colaboração com os experientes Lusa Silvestre e Bernardo Rennó, formando equipe que nos entrega um texto com linhas de diálogos ousadas e estrutura narrativa que comenta o Brasil contemporâneo por meio do tom cômico, preenchido com muitas alegorias e ironias. O contexto é bem aproveitado, mesmo que tenhamos a sensação de que faltou algum tempero na receita para o desenvolvimento nos trazer a mesma vivacidade de 2008.

Como mencionado anteriormente, João Miguel brilha no primeiro filme e é uma das melhores coisas do nosso cinema. É um ator versátil, mas em Estômago 2: O Poderoso  Chef, seu protagonismo é curiosamente deixado de lado para que conheçamos a “mitologia” do mafioso, um desenvolvimento de personagem que se alonga demais e deixa a icônica figura ficcional do cozinheiro em segundo plano. Em linhas gerais, o coadjuvante de sua própria história. Acoplado aos pontos nevrálgicos da continuação, a explicação da trajetória do mafioso traz a sua atuação como cozinheiro de comida brasileira num restaurante situado no sul da Itália, bem como os desdobramentos com a igualmente “perigosa” Valentina Galante (Violante Placido) e as disputas de poder com a família da personagem. Não chega a ser ruim, mas é uma curva narrativa que sai do presídio e faz a trama perder um pouco da sua autenticidade.

Premiado com muito louvor no Festival de Gramado 2024, a sequência em questão não é, como já pontuado, um filme abaixo da média. Em seu percurso estético, os realizadores contam com os atributos narrativos eficientes da direção de fotografia assinada pela dupla formada por Maura Morales Bergmann e Kaue Zilli, eficaz na captação dos espaços desenhados por Massimo Santomarco, assertivo no design de produção ao conceber os cenários, adereços e direção de arte nesta continuação que se firma como uma parceria entre Brasil e Itália. A música de Giovanni Venosta, também assertiva, cumpre com o necessário para manter o ritmo da condução narrativa no presídio. Elaborado por uma equipe consciente, nada deixado em aberto em Estômago 2: O Poderoso Chef é descuido narrativo do roteiro. As pontas, provavelmente, se situam como elementos para possíveis bifurcações para outras continuações. Com boa repercussão, a sequência do fenômeno pop de 2008 deixa para nós espectadores a sensação de que há mais a ser contado. Talvez, caro leitor, a quebra de expectativa ao contemplarmos Nonato como personagem em segundo plano tenha feito quem vos escreve não se relacionar mais profundamente com o filme. Como disse Oscar Wilde, toda crítica é uma autobiografia.

Independentemente disso, este é um filme para ser apreciado e, com sua irreverência e tom dinâmico, permite entretenimento e discussões sobre o Brasil atual, pertinentes para qualquer um interessado em compreender o tecido social em que vive e atua. Vai lá assistir e depois nos conta o que você achou, combinado?

Estômago 2: O Poderoso Chef (Brasil, Itália, 2024)
Direção: Marcos Jorge
Roteiro: Marcos Jorge, Lusa Silvestre, Bernardo Rennó
Elenco: João Miguel, Nicola Siri, Carlo Briani,  Zeca Cenovicz, Paulo Miklos, Jean Pierre Noher, Projota, Marco Zenni, Rodrigo Ferrarini, Fábio Silvestre, Guenia Lemos, Violante Placido
Duração: 95 min

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