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Crítica | Eu, Emmanuelle (1969)

Nenhum afeto. Só feridas.

por Iago Iastrov
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Roma nunca pareceu tão distante quanto vista pelos olhos de uma mulher que se arrasta por suas ruas com a alma em ruínas. Eu, Emmanuelle, dirigido por Cesare Canevari, escapa das fórmulas eróticas fáceis ao apresentar um drama psicológico sombrio, cheio de silêncios e encontros fracassados. A personagem central, vivida por Erika Blanc, mergulha em relações vazias e breves, sem que qualquer toque físico aproxime de fato sua dor do alívio. A cidade, abarrotada de sons, pessoas indiferentes e promessas, apenas amplia o vazio que ela carrega, cada vez mais incapaz de distinguir o desejo do nojo.

Enquanto se distancia das convenções narrativas lineares, o filme constrói uma jornada interior tortuosa e difícil de decifrar. Isso não é acidente: o roteiro, assinado por Canevari, Giuseppe Mangione e Graziella Di Prospero, nasce da adaptação do conto Disintegrazione ’68, que nunca chegou a ser publicado isoladamente. Graziella fornece à obra uma espinha dorsal literária dilatada, onde as emoções se acumulam aos pedaços, e a lógica dos acontecimentos dá lugar à lógica do desespero. Mais do que um drama sobre liberdade sexual, Eu, Emmanuelle revela, através do olhar de sua protagonista, a exaustão sentimental de uma mulher desgastada por vínculos rasos e desencanto persistente.

O afastamento da protagonista em relação ao mundo não vem apenas das escolhas dramáticas, mas também da maneira como Canevari encena sua história. O uso de zooms, cortes bruscos e enquadramentos que se fixam em objetos banais reforça a atmosfera de instabilidade. A crítica britânica da época, como a publicada no Monthly Film Bulletin, chegou a considerar o filme risível por sua “pretensão artística”. Mas sob essa superfície errática, existe uma escolha consciente: mostrar que os espaços que Emmanuelle ocupa — apartamentos, automóveis, vitrines — não são lugares de descanso, mas de desgaste.

A música composta por Gianni Ferrio traz temas específicos para os homens que circulam pela vida de Emmanuelle, e pontua o desgaste emocional sem a necessidade de exposição direta. É uma partitura melancólica, onde está a lembrança de que nenhuma das conexões é legítima. Erika Blanc, por sua vez, não seduz — ela inquieta. Sua performance como Emmanuelle é feita de cortes secos entre vulnerabilidade e desprezo, e mesmo em suas cenas de nudez há desconforto e ironia, não prazer.

Apesar de carregar o nome que viria a se tornar ícone do erotismo europeu, Eu, Emmanuelle não pertence à franquia francesa que começou com Sylvia Kristel, em 1974. O filme de Canevari surgiu 5 anos antes, sem qualquer relação com os romances de Emmanuelle Arsan ou com os filmes que exploraram a personagem como símbolo de liberdade sexual. A Emmanuelle de Erika Blanc não compartilha universo, tom ou propósito com a figura glamourosa e hedonista que dominaria as telas na década seguinte. Aqui, o nome é apenas coincidência… ou talvez uma antecipação involuntária de um fenômeno que ainda não existia. O que se vê é uma mulher em crise, não uma musa do prazer. E é por isso que, mesmo que não alcance a plenitude de grandes obras, Eu, Emmanuelle permanece como um longa corajoso, que ousa dizer que o prazer alienado e desesperado não é a resposta (e, talvez, nem a pergunta).

Eu, Emmanuelle (Io, Emmanuelle) — Itália, 1969
Direção: Cesare Canevari
Roteiro: Cesare Canevari, Graziella Di Prospero, Giuseppe Mangione
Elenco: Erika Blanc, Adolfo Celi, Paolo Ferrari, Milla Sannoner, Sandro Pizzochero, Lia Rho-Barbieri, Ben Salvador, Ugo Adinolfi, Lucia Folli, Renato Nardi, Mirella Pamphili, Walter Valdi, Phil Ben, Anita Barbieri
Duração: 96 min.

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