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Crítica | Eu, Empresa (2021)

por Michel Gutwilen
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Ter um prévio contato com o trabalho de Marcus Curvelo em curtas-metragens — tive a oportunidade de ver Joderismo e Destruição do Planeta Live (este também integrante da Mostra Tiradentes 2021)foi essencial para compreender seu longa metragem Eu, Empresa, que parece um coerente ponto culminante de tudo que ele vinha construindo até então. Queria deixar claro que a tentativa de se aproximar de uma “política do autor” não significa negligenciar o outro codiretor do longa, Leon Sampaio — logo lembro das análises de Bacurau que se focaram em um contexto da filmografia de Kléber Mendonça Filho e praticamente fingiram que Juliano Dornelles não existia — mas ter a compreensão de que existe um senso de continuidade na construção da filmografia de Curvelo até aqui. 

O cinema de Curvelo é o cinema do “eu”, do narcisismo, daquele que tem consciência de ser o centro das atenções da câmera e auto-ironiza sua própria condição de privilégio. Nos dois curtas citados acima e neste longa em questão, seu grande trunfo está nesta falsa-poetização melancólica dos white people problems, fazendo grandes “tempestades em copos d’água”, retratando dramas existencialistas de um jovem branco de classe média como se eles fossem equivalentes ao fim do mundo, em uma falsa-romantização dessas pequenas situações. 

É curioso pensar nas multicamadas ficcionais e documentais que aparecem em Eu, Empresa. O co-diretor Marcus Curvelo é o próprio protagonista de sua própria ficção, cuja história reside na busca por criar um canal no Youtube, onde ele interpretaria, o alter ego Joder, que já havia dado as caras anteriormente em Joderismo. A escolha de estrelar o próprio filme que dirige, além de referenciar elementos de sua filmografia (como se ele tivesse uma massa de fãs para se satisfazer com seus easter eggs), é como uma grande piada desta condição de narcisismo e prepotência. Curvelo parece tão comprometido em seu show que é muito difícil diferenciar quais das personas criadas está em cena: Se é o Curvelo do mundo real, se é o Curvelo personagem, se é Joder.

Só que mais do que criar uma jornada narcisista sobre o seu próprio fracasso (e consequentemente de toda uma geração), em Eu, Empresa também há espaço para falar de certos problemas estruturais. Como o título do filme indica, não é somente sobre o “Eu”, mas “Empresa”. Toda a estrutura da narrativa, que muito se aproxima do formato de esquetes, envolve essa transformação do jovem moderno em um produto que precisa se vender e vai cada vez mais perdendo seu individualismo no processo. As esquetes vividas pelo protagonista envolvem ser auxiliado por um coach, fazer crossfit, tentar a vida de youtuber, criar seu próprio mindset, ser um entregador do iFood, fazer Uber. Uma semelhança em todos esses termos é que são todos partes de um vocabulário exportado, são novas situações criadas pela modernidade que o ser busca se encaixar a todo custo. Comparativamente aos curtas anterior do co-diretor que eu havia assistido, no longa a comédia é mais escrachada e assumida, não tentando fingir se levar a sério até o final, o que talvez seja uma tentativa de concessão ao grande público, como se precisasse deixar claro, desnecessariamente, que se está “debochando” da realidade de seu protagonista, não lhe endossando.

Voltando a falar da certa estrutura de “esquetes” que o filme segue, é possível pensar neste elemento até como uma falta de foco dessa geração que o filme quer representar. São relações líquidas e falsas, atira-se para todo lado tentando de tudo, as relações informais de emprego não garantem continuidade. Quando não se consegue o que se almeja, já se parte para uma nova jornada. Bem significativo neste sentido é a relação do protagonista com os trabalhadores do iFood que ele vai filmar para seu canal. Eles estão sendo filmados não porque há um interesse altruísta do personagem com eles, mas porque estão dentro deste contexto de autopromoção do produtor de conteúdo que enxerga aqueles como “meio” para seu “fim”. É por isso que eles desaparecem da história. Há aqui um paralelismo com o caso de diversos diretores brasileiros que foram fazer a chamada “porno-miséria”, que são os filmes com temática de desigualdade social, protagonizados por pessoas que são realmente de renda inferior, mas que são abandonadas ao término das filmagens, pois sua única função foi servir ao propósito do filme e não de uma transformação social verdadeira. No fim, o personagem não aprende nada e segue o ciclo de todo influenciador social: ganha fama, fala besteira, é cancelado, finge arrependimento e fica tudo bem. Assim, chega-se à conclusão que o protagonista Marcus e seu narcisismo individualista venceram, mas a sociedade claramente perdeu.

Eu, Empresa — Brasil, 2021
Direção: Marcus Curvelo, Leon Sampaio
Roteiro: Amanda Devulsky, Camila Gregório, Leon Sampaio, Marcus Curvelo
Elenco: Marcus Curvelo, Carlos Baumgarten, Aristides De Sousa (Juninho Vende-Se), Mariana Rios, Carol Alves, Thiago Almasy, Ritah Oliveira, Felipe Pedrosa, Rachel Sauder, Gaba Reznik
Duração: 82 mins.

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