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Crítica | Eu Fico Loko

por Luiando Campiago
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Se você não sabe quem é Christian Figueiredo, então você… não se aflija. Christian Figueiredo é um youtuber brasileiro nascido em 1994 e que até o momento em que esta crítica vai ao ar, conta com pouco mais de 7,11 milhões de seguidores em seu canal que (pasme!) tem o mesmo nome do filme (que, a rigor, não é sobre o seu canal) e também o mesmo nome dos dois (pasme²!!) livros que ele escreveu sobre sua vida (pasme³!!!), suas “empinadas de pipa na laje”, suas briguinhas de Ensino Médio e seus quase-semi-#sepah-casos com garotas entre os 15 anos e uma idade X, que o glorioso roteiro deste estupendo longa-metragem não se dá o trabalho de especificar, mas que críticos bastante iluminados certamente encontrarão, nas entrelinhas, algo que pode ser parcialmente calculado por uma representação cinemato-aleatória, como vemos abaixo.

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SPOILERS!

Todavia, o problema com o tempo, no filme, não se resume apenas à idade dos personagens, que dizem ter 15 anos mas se parecem estranhamente mais velhos que meus colegas de faculdade [pausa para dizer que uma parte do híbrido-crítico aqui é um ninfetóide universitário]. Isso também envolve o desenrolar dos fatos. Além de uma elipse pavorosa, que pula da infância de Figueiredo direto para a adolescência, a história é pontuada de forma canhestra; em nenhuma momento fica claro se os fatos aconteceram no mesmo ano, mês, se realmente ocorreram ou se fazem parte da comédia necessária para preencher o tempo do filme, já que algumas situações são absurdamente insanas (quem em sã consciência disputa um preservativo com um cachorro, arranca da boca dele até esticar ao máximo e, mesmo assim, coloca o negócio na jiromba antes de perder a virgindade???).

Não demora muito para questionarmos se os roteiristas Bruno Garotti (que também é diretor) e Sylvio Gonçalves (um dos roteiristas de É Fada!) sentaram com Christian Figueiredo para tentar equilibrar as doses de biografia com elementos sólidos de drama — algo que o rapaz poderia ter esperado pelo menos mais 30 anos para fazer e nos dar a impressão de que estamos realmente vendo uma história de vida, não meia dúzia de páginas do diário de um “gauche na vida“, suas aventuras, desventuras, desastres e suas compulsão por contar mentiras. Porque entre os lapsos de quase-biografia, sobra para o espectador conceitos de dramédia adolescente e uma mistura de Hollywood com Malhação que obviamente deve ter impacto sobre o púbico-alvo, mas incomodam a qualquer um que tenha passado já há algum tempo pela puberdade. Ou que tenha noção básica de construção de roteiro. Curioso é que o nosso amigo tenta distanciar, na sequência de abertura, o filme sobre sua vida (ou duas páginas grudadas de seu diário/vlog) dos filmões adolescentes de Hollywood. Não deu certo. Pô, Chris! Você já tinha aprendido essa lição, não foi?

Aparentemente, o que o youtuber não entende é que cinebiografias devem ser realizadas após os protagonistas terem feito coisas relevantes em sua vida, como, por exemplo, Snowden e Ray (ter milhares de inscritos no Youtube não é algo cinematograficamente relevante: há centenas de youtubers com o mesmo número e não é por isso que eles estão fazendo biografias por aí). A história de Christian nada mais é do que um acúmulo de eventos que qualquer ser humano com 18 anos ou mais já viveu alguma vez na escola (você que está lendo e acha que sua vida é desinteressante, saiba, uma muito mais monótona até filme já virou, filme ruim, mas virou). Os realizadores ainda falham em inserir doses de nostalgia em sua obra, pois todo o cuidado em ressaltar que a rede social da época era o Orkut e os celulares da moda o Motorola, não existiu a mesma atenção para criar diálogos, usando gírias atuais em uma história que supostamente deveria se passar 7 anos atrás (quem falava em “dar PT” em 2010?).

Diante desses anacronismos e marcado o território do drama + comédia + romance adolescente, sobrou ao texto e ao diretor mergulharem em um hibridismo desnecessário, colocando Chris para marcar, em tela (como narrador a reboque), as mudanças de ato. A sensação que temos é a de assistir a um longo vídeo do canal do rapaz, e ele tem tanta consciência disso, que usou essa marcação como brincadeira/justificativa de introdução, enquanto as cartelas com os patrocinadores passavam. Cada pequeno ato é composto por momentos lineares onde ninguém parece crescer. A única coisa realmente marcante, em termos de evolução dentro da obra, vem com a criação do canal Eu Fico Loko, que tem um ponto de partida curioso, com ele destruindo um cenário de batcaverna antes de gravar. Funciona bem, mas é um ato isolado, nem constitui um motivo narrativo. A criação do canal acaba ficando em segundo plano na narrativa, que opta por priorizar um triângulo amoroso entre ele, Alice e Gabi, um triângulo que jamais funciona.

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Não bastasse a história mal resolvida, a trilha sonora também faz questão de pontuar cada ato ou estado emocional dos personagens. No que diz respeito a música, somente a playlist do longa é elogiável, apesar de mal utilizada (colocar Clarice Falcão em uma cena fofa é a coisa mais clichê que poderia ser feita). O que se salva em uma parte da fita é a fotografia, dando vida ao filme em dois momentos de destaque, na multi-colorida cena da festa e com a mudança na paleta de cores a partir do momento que a avó do garoto morre, ressaltando o impacto do ocorrido na vida do protagonista. Outra parte digna de algum destaque positivo é a atuação de Filipe Bragança, que constrói bem a imagem de garoto bobo, ingênuo e desinteressante. Como não existe um verdadeiro impulso para crescer na história, o jovem ator mantém basicamente o mesmo tom do começo ao fim, algo que talvez apresente mais falhas da direção e do roteiro do que do próprio ator.

Embora seja um filme para adolescentes, contendo comportamentos adolescentes de um adolescente com vida nada comum se comparada à maioria dos adolescentes, Eu Fico Loko consegue mesmo mostrar sua graça nas representações familiares. Os pais de Christian são interessantes, mas quase não utilizados, e a avó do rapaz (interpretada por Suely Franco) dá um verdadeiro show, merecendo ganhar, disparadamente, o troféu de melhor personagem do filme. Com a qualidade dramatúrgica de Suely Franco e o que uma persona do tipo “avó desbocada” pode fazer em cena, o longa talvez se beneficiasse muito mais se o núcleo de “altas confusões com a galera” fosse deslocado para algo mais pessoa para Chris, com seu melhor amigo em cena e pontual presença na escola. E vejam que isto não é uma especulação sem propósito, já que exatamente esse segundo plano do filme é o que mais conteúdo e riqueza de contexto lhe traz. Mas a gente sabe, não é o tipo de coisa que vende…

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O grande mérito de Eu Fico Loko é ser melhor do que É Fada (2016), mas diante do horror que foi o filme da também youtuber Kéfera, o elogio não serve de muita coisa. Talvez a fita caia como uma luva para adolescentes, que verão basicamente uns dias de suas vidas retratados em um compacto de tempo que só o diretor Bruno Garotti e Christian Figueiredo sabem definir ao certo. Já para o restante da público, sobrará uma história que não sabe se é romance, drama pessoal, dissabores de um bullyingnado na escola, comédia com “jornada de vida” embutida ou propaganda estendida de um canal do Youtube. O longa poderia ser qualquer uma dessas coisas, mas resolveu abocanhar tudo ao mesmo tempo, chegando em lugar nenhum. Talvez se começasse a ser produzido de novo, com outro roteiro e outra equipe técnica… quem sabe?

Eu Fico Loko (Brasil, 2017)
Direção: Bruno Garotti
Roteiro: Bruno Garotti, Sylvio Gonçalves (baseado no livro de  Christian Figueiredo)
Elenco: Christian Figueiredo, Alessandra Negrini, Filipe Bragança, Suely Franco, Marcello Airoldi, José Victor Pires, Thomaz Costa, Isabella Moreira, Giovanna Grigio, Michel Joelsas, Ceará, Tania Khalill
Duração: 93 min.

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