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Crítica | “Everything Now” – Arcade Fire

por Handerson Ornelas
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Certa vez me deparei com um meme que, em clara referência a A Vingança dos Sith, satirizava a mudança de sonoridade do Arcade Fire ao longo da carreira. “Vocês se tornaram aquilo que juraram destruir”, dizia a clara menção à famosa frase de Obi-Wan a Anakin no famigerado Episódio III de Star Wars. A abordagem de Reflektor definitivamente dividiu os fãs do grupo, que parecia se afastar consideravelmente do indie rock à medida que o apelo por sintetizadores crescia. Assim, quatro anos depois o discurso da banda sobre o reflexo da tecnologia em nós mesmos e a direção para a qual a sociedade moderna seguia, somos apresentados ao quinto trabalho da banda, Everything Now, uma extensão e sátira desse tema.

Everything Now vem de uma forte campanha de marketing com direito a notícias falsas espalhadas por grandes portais, crítica ao álbum feita por eles mesmos e até spinner customizado sendo vendido, tudo com uma boa dose de sarcasmo e humor. Produzido pelo quarteto Thomas Bangalter (Daft Punk), Steve Mackey (Pulp), Geoff Barrow (Portishead) e Eric Heigle, o disco é candidato a mais polêmico do ano. Bastante criticado por fãs e parte da crítica, a banda tenta se reinventar nesse quinto registro, mas pelo caminho perde grande parte do que fez eles tão únicos no cenário indie.

A abertura fica por conta da canção homônima e sua influência gritante de David Bowie, recapturando a aura mais charmosa dos anos 80 através de uma harmonia orquestrada de maneira bastante rica, com vocais exuberantes, boa linha de baixo e synths muito bem inseridos. Já Signs Of Life coloca por água abaixo a ótima impressão deixada pela faixa anterior. Produção exagerada, péssima letra, repetitivo refrão e uma métrica inconsistente (repare como a letra é mal sincronizada com o rítmo) sinalizam que estamos diante de um álbum um tanto irregular.

Em seguida, somos apresentados a Creature Comfort, uma das melhores composições de Everything Now. Se trata de um discurso sobre a busca pela perfeição, sobre a procura da fama a qualquer custo e as válvulas de escape diante de uma vida infeliz, tudo isso através de letras fortes com claras menções a depressão e suicídio. É nela que se encontra um dos melhores refrões do disco: God, make me famous/ If you can’t, just make it painless.

Infinite Content e Infinite_Content são as amostras de como Win Butler pode dizer muito com extremamente pouco. As faixas praticamente consistem de apenas dois versos proclamados com leves alterações (Infinite Content/ All Your Money Is Already Spent On It), sendo a primeira um garage rock acelerado e a segunda uma versão folk bastante leve da anterior. É uma clara referência ao “conteúdo infinito” que a internet possibilitou para o público, aqui em uma metáfora de extremos e incertezas, esfregando na cara do ouvinte o quanto estamos dependentes desse tipo de sistema.

Electric Blue – termo retirado da canção Sound And Vision de David Bowie – é um olhar do ponto de vista feminino a respeito de um relacionamento obsessivo, muito bem inserido dentro de uma base dançante que prova o valor de Thomas Bangalter dentro do álbum. A produção faz questão de adicionar diversas camadas de sintetizadores e alterar digitalmente a voz de Regina a fim de soar fragilizada e viciante – escolhas que resultam em uma das melhores empreitadas do Arcade Fire na dance music.

Pode parecer tudo bem até aqui, mas o novo trabalho da banda canadense carrega algumas das mais vergonhosas composições do grupo. Enquanto Peter Pan possui um refrão tão cafona quanto os piores da década de 80, Chemistry é algo inconcebível para qualquer fã do Arcade Fire – como a banda que criou Funeral compôs uma canção tão genérica em termos de arranjo e letra? A gota d’água de más escolhas parece ser a atordoante linha de baixo de Good God Man, com uma péssima e cansativa interpretação de Win e fraquíssima letra.

A repetição – um grande problema da indústria musical atual – é usado e abusado em inúmeras canções ao longo do álbum. A produção exagerada, ruidosa e artificial parece extremamente pouco caprichada, principalmente se lembrarmos que Reflektor também tinha uma abordagem calcada em sintetizadores e conseguia soar limpa e organizada. Assim, algum momento o ouvinte irá se questionar: parece que o Arcade Fire está fazendo uma sátira ao mercado musical… mimetizando e reproduzindo seus maiores problemas! Bem, se essa é a ideia, me parece que o grupo, por livre e espontânea vontade, escolheu cair em sua própria armadilha (de péssimo gosto, por sinal).

O Arcade Fire de raiz parece assumir o controle próximo ao encerramento do álbum, soando como um verdadeiro paybackPut Your Money On Me é candidata a melhor do álbum com sua forte crítica a uma sociedade movida pelo dinheiro, junto a sua excelente base rítmica, ótima métrica e excelente arranjo de vocais.  Os mesmos elogios seriam válidos para a bela e melancólica We Don’t Deserve Love, que levanta a grande questão no fim: diante de uma sociedade tão problemática e egoísta, será que merecemos o amor?

O Arcade Fire de Everything Now abre o disco dizendo que está com saldo positivo (I’m in the black again/ Can’t make it back again) e termina afirmando estar no prejuízo, no vermelho (I’m in the red again/ No space in my head again). Seria apenas uma referência a uma sociedade consumista que tudo quer e tudo perde, ou o grupo estaria profetizando a repercussão negativa (e proposital) do novo álbum entre os fãs? Parece consenso entre o público, estamos diante do mais fraco trabalho da discografia dos canadenses. A banda ainda sabe muito bem o conceito do que deve ser um álbum e constrói mais um com fluidez e temática bem definidas, mas temo que a trupe de Win Butler esteja começando a perder sua essência.

Aumenta!: Put Your Money On Me
Diminui!: Chemistry

Everything Now
Artista: Arcade Fire
Lançamento: 28 de julho de 2017
País: Canadá
Gravadora: Columbia Records
Estilo: Eletrônica, Indie Pop

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