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Crítica | Exílio no Iraque

por Luiz Santiago
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Escrito e dirigido pelo curdo-iraniano Bahman GhobadiExílio no Iraque (2002), seguiu-se ao penoso Tempo de Cavalos Bêbados e, assim como o seu predecessor, aborda a difícil vida do povo curdo na fronteira entre Irã e Iraque durante os ataques empreendidos por Saddam Hussein, um ano antes da invasão dos Estados Unidos à região.

Embora aborde a problemática vida do 3º maior grupo étnico do mundo sem um Estado próprio (os dois primeiros são os Tâmeis e os Sindis, também na Ásia), o filme não se se fecha apenas no “problema curdo”. A perseguição, as péssimas condições de vida e a tentativa de fixar raízes em uma terra ou exercer uma identidade cultural são ações postas de tal forma que podem ser expressões de qualquer nação sem Estado, qualquer povo forçado a se deslocar constantemente para não morrer em bombardeios, qualquer povo explorado ou oprimido por ser, no lugar onde estão, uma minoria (e só para constar, os Palestinos são o 7º lugar dessa lista).

Diferente de Tempo de Cavalos Bêbados ou de Tartarugas Podem Voar, Exílio no Iraque é um tipo de história de amor em meio à guerra, uma forma menos agressiva e mais passional de abordar a questão. Talvez impulsionado pela recepção positiva (embora polêmica) de seu primeiro longa, Ghobadi tenha colocado um número bem maior de elementos culturais de seu povo no filme, denunciando e analisando através da música, da guerra e da histeria dos indivíduos uma realidade geopolítica de nosso tempo. Aqui fica clara a influência de Emir Kusturica sobre o diretor, também seria percebida em Antes da Lua Cheia (2006) e Ninguém Sabe dos Gatos Persas (2009).

Há quem veja nessa abordagem cultural paralela à guerra alto negativo, apenas uma forma do cineasta encantar os desavisados com exotismo e se fazer bem-visto pela camada crítica, cultivando o status de um diretor relevante no cenário mundial. Mas vale a pergunta: onde está o mal disso? O exotismo que temos aqui não é vazio, ele faz parte de um cenário bem construído e jamais e abandonado para dar espaço a outra coisa. Os protagonistas são músicos e, por um motivo especial, estão buscando uma mulher que abandonou o Irã para poder cantar, pois, com a chegada dos fundamentalistas e a República Islâmica em 1979, isso foi proibido. Tudo no filme gira em torno dessa relação entre guerra e identidade cultural, daí a minha estranheza ao perceber que a exploração (neurótica, histérica, semi-surreal, não importa) desses aspectos seja motivo de incômodo para alguns espectadores.

A reta final da obra nos traz as melhores paisagens da fita, com excelente aproveitamento das montanhosas cobertas de neve do Curdistão iraquiano. Ghobadi disse na entrevista sobre o filme que simplesmente adora o inverno e que esta estação tem um significado quase familiar para ele. Tal afirmação pode ser facilmente comprovada nos grandes planos brancos que vemos na tela, sempre com algum elemento de identificação para marcar a profundidade de campo e cenas que nos fazem voltar para o finalzinho de Tempo de Cavalos Bêbados.

Com uma trilha sonora majoritariamente tradicional, excelente direção de não-atores (embora essa escolha sempre acabe em erros e estranhezas cênicas que jamais aconteceriam com atores profissionais) e uma história que equilibra-se muito bem entre o drama “para as massas” — mas nem tanto — e a reflexão, o filme nos faz pensar sobre a condição interna e externa do homem no caos da guerra, sobre fronteiras mostradas como algo sujo e abominável e sobre a vontade de ser livre, uma condição que, apesar da dor, aparece no final como uma possibilidade. Atemporal.

Exílio no Iraque (Gomgashtei dar Aragh) — Irã, 2002
Direção: Bahman Ghobadi
Roteiro: Bahman Ghobadi
Elenco: Shahab Ebrahimi, Faegh Mohamadi, Allah-Morad Rashtian, Rojan Hosseini, Saeed Mohammadi, Iran Ghobadi
Duração: 108 min.

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