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Crítica | Expresso do Amanhã – 1X01: First, the Weather Changed

por Ritter Fan
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Em seu primeiro longa de espírito hollywoodiano, Bong Joon-Ho adaptou a então relativamente desconhecida graphic novel francesa O Perfuraneve, cujo primeiro volume foi publicado entre 1982 e 1983. Expresso do Amanhã, lançado em 2013, teve um complicado processo de distribuição no ocidente, garantindo seu fracasso na bilheteria, mas que foi suficiente para chamar a atenção de produtores americanos para uma nova adaptação, desta vez na forma de série de televisão. Mesmo com o cineasta coreano à bordo como produtor executivo, Snowpiercer trilhou um caminho mais do que turbulento desde a aquisição dos direitos em 2015 até seu primeiro episódio chegar às telinhas em 2020, quase descarrilando completamente no processo com a alteração de showrunners, troca de emissoras, roteiros reescritos, novas direções e tudo o mais que podia dar errado.

Normalmente, quando isso acontece, o produto final sofre as consequências, revelando seus problemas logo no começo. E, depois de muito ser adiado, o lançamento de First, the Weather Changed desaponta mesmo considerando o intrigante conceito de um mundo congelado pós-apocalíptico em que os únicos sobreviventes da humanidade vivem em um trem de 1.001 vagões em moto-perpétuo ao redor do planeta. Com um preâmbulo em animação para contextualizar a história e focar na invasão do trem por diversas pessoas desesperadas no dia de sua partida e que ficaram relegadas a alguns vagões no final do comboio em terríveis condições de vida e o jugo opressor daqueles que ocupam os vagões da frente, o episódio inaugural não perde tempo em estabelecer uma elipse de quase sete anos que consolida o constante sentimento de revolta dos fundistas com o que sofrem sem comida, calefação boa e condições de higiene em uma mais do que evidente repetição, nesse microcosmo, do que existe no mundo de hoje em termos de divisão de classes.

A tensão criada pela estratificação social em três classes do trem e pelo relegamento de um grupo a condições sub-humanas é a infraestrutura narrativa tanto da graphic novel quanto do longa de Bong Joon-Ho, mas, pelo menos neste primeiro episódio, essa questão é deixada um pouco de lado para que o gatilho da história seja imediatamente apresentado: houve um aparente assassinato seguido de desmembramento nas classes mais abastadas e a Voz do Trem Melanie Cavill (Jennifer Connelly) precisa recorrer ao auxílio do único detetive de homicídios remanescente, o fundista Andre Layton (Daveed Diggs). Em suma, eis o que parece ser mais um Assassinato no Expresso do Oriente, só que em uma distopia gelada em que o trem não pode parar.

E, por melhor que seja a obra de Agatha Christie, chega a ser inacreditável que tanta confusão tenha acontecido na produção da série ao longo de cinco anos para que tudo seja resumido a um whodunit. Claro, não tenho dúvida de que a história ganhará camadas e mais camadas para complicá-la e justificar pelo menos as duas temporadas já autorizadas, mas é frustrante ver que um material antropologicamente tão rico criado originalmente por Jacques Lob tenha como pontapé inicial uma investigação que, por parecer tão alheia a tudo o que é mostrado, não engaja o espectador. A esperança é que o atual showrunner, depois que Josh Friedman foi defenestrado em razão das famosas “diferenças criativas”, é Graeme Manson, o co-criador de nada menos do que Orphan Black, ou seja, alguém que já provou ser capaz de pegar um conceito fascinante e complicá-lo de maneira lógica e eficiente.

Outro aspecto que frustra e torna o episódio tão frio quanto a Terra distópica que retrata é que o roteiro não consegue tornar interessantes Melanie e David, sejam juntos ou separadamente, para além do passeio turístico que a eles levam o espectador, começando nos terríveis gulags que são os vagões do fundo, passando pelo intrigante sistema de transporte interno do trem, além dos vagões estufa, aquário e, claro, o vislumbre da locomotiva ao final. Em outras palavras, o que prende é a apresentação do “brinquedo novo” para a audiência e não exatamente a história (para além do conceito) ou seus personagens. Tudo pode (e precisa) mudar, claro, mas essa é a impressão que fica nesse começo pouco interessante.

Considerando o espaço confinado que facilita a produção em termos orçamentários, há que se chamar atenção para o cuidado na direção de arte com a criação de um espaço interno lógico e bem determinado, com as classes bem separadas visualmente, incluindo figurinos e penteados, além de alguns momentos criativos como o citado vagão aquário que leva à preparação de sushi. Não é nada de outro mundo, que fique claro, mas percebe-se o cuidado com os detalhes ao ponto de efetivamente dar vontade ver mais, além de tornar esse surreal mini-universo em constante movimento algo em que podemos acreditar sem muito esforço.

O início frio e distante da série não é de forma alguma inesperado em razão do inferno astral que a produção passou ao longo de cinco anos. No entanto, isso significa que recai nos ombros do condutor Graeme Manson a tarefa de efetivamente colocar Expresso do Amanhã nos trilhos para uma jornada sem muitos percalços.

Nota: Com exceção deste primeiro, traremos as críticas restantes conforme o Netflix for lançando os episódios, o que somente ocorrerá, semanalmente, a partir do dia 25 de maio de 2020.

Expresso do Amanhã – 1X01: First, the Weather Changed (Snowpiercer – 1X01: First, the Weather Changed, EUA – 17 de maio de 2020)
Showrunner: Graeme Manson (baseado no filme homônimo de Bong Joon-Ho e na graphic novel O Perfuraneve de  Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette)
Direção: Scott Derrickson, James Hawes
Roteiro: Josh Friedman, Graeme Manson
Elenco: Jennifer Connelly, Daveed Diggs, Mickey Sumner, Alison Wright, Iddo Goldberg, Susan Park, Katie McGuinness, Sam Otto, Sheila Vand, Mike O’Malley, Annalise Basso, Jaylin Fletcher, Mark Margolis, Steven Ogg, Happy Anderson
Duração: 51 min.

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