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Crítica | Expresso do Amanhã – 2X04: A Single Trade

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e do restante de nosso material sobre esse universo.

Se existe um problema em A Single Trade, ele não está no episódio em si, mas sim na maldita falta de desenvolvimento dos personagens coadjuvantes da série, muito claramente seu ponto o fraco desde o início. E é unicamente por isso, uma questão sistêmica, que não dei nota máxima ao capítulo, já que ele não só foca sensacionalmente em seus personagens “menores”, por assim dizer, como também prova que manter a narrativa exclusivamente dentro do trem pode ser uma escolha acertadíssima, além de conseguir um feito raro, que é trazer contexto e, com isso, efetivamente melhorar o que até agora havia sido o pior episódio da temporada para mim, Smolder to Life, demonstrando que, por vezes, a análise de “pedaços” de uma temporada pode levar a impressões errôneas e a injustiças.

Quando Melanie saiu do trem para sua missão de um mês ao final de A Great Odyssey, pensei imediatamente como seria bacana se a temporada investisse tempo para focar nessa sua jornada do lado de fora, mudando um pouco a ambientação claustrofóbica da série. Cheguei até mesmo a aventar essa possibilidade ao encerrar minha crítica, mas vejo agora que não é essencial que isso aconteça se Graeme Manson continuar inspirado desse jeito. Afinal, o roteiro de A Single Trade tem como elemento central uma festa no vagão noturno que tem o Sr. Wilford como convidado de honra, parte de uma troca em que esse é o pagamento pelo tratamento de todos no Snowpiercer com queimaduras por frio extremo, especialmente, claro, Josie. Mas a festa tem como mote a aventura científica de Melanie, com o lançamento de um balão meteorológico que, a certa altura, permitirá que ela faça conexão com o trem por meio de um sinal, o que cria o exato nível de suspense necessário para sustentar a narrativa que se desenrola em nível muito mais íntimo no vagão.

Essa intimidade se dá primordialmente pela relação pregressa de Miss Audrey com Wilford, quando ela comandava festas semelhantes em trens do magnata ao redor do mundo, ao mesmo tempo que era sua “acompanhante” exclusiva, em uma relação claramente doentia e abusiva que a marcou psicológica e fisicamente. Sua dança que abre e fecha o episódio é dor e catarse puras, com um terrível flashback para outro banho de banheira em que descobrimos que Wilford a induzira a cortar os pulsos, o que finalmente explica a bizarra cena em Smolder to Life que, sem esse contexto aqui parecia um ritual extremado de um vilão completamente enlouquecido. Claro que o silêncio profundo da relação de Audrey com Wilford na temporada anterior ou mesmo nos episódios anteriores desta temporada – ou se isso foi mencionado, foi muito rapidamente e confesso que não me lembro – cansam um pouco e demonstram o tal problema que a série tem com seus coadjuvantes, mas a abordagem adulta que o roteiro traz para o relacionamento abusivo entre eles e os trabalhos de interpretação de Lena Hall e Sean Bean merecem aplausos, assim como a direção de David Frazee que mantém uma enervante ambiguidade – que fica sem resolução – sobre quem está controlando quem até o final, bastando ver que, mesmo com Audrey tranquilizando Layton, a câmera faz questão de mostrar o monograma de Wilford acima da cantora e dançarina, que parece se curvar ao poder do criador desse mundo onde os humanos sobreviventes ainda vivem.

E os bilhões que foram congelados nessa nova Era do Gelo não são esquecidos, com Bess Till, em meio à sua investigação, sofrendo um ataque de pânico repentino ao ver as fotos de alguns dos vários mortos, procurando, ato contínuo, ajuda espiritual. Novamente, como isso nunca aconteceu antes com Bess, parece que o roteiro está tentando tirar desenvolvimento da cartola, o que, novamente, pode ser enfurecedor, mas a grande verdade é que as restrições que a premissa da série impõem tornam a construção de personagens bem mais complexa que o normal, por não haver exatamente espaços físicos para conflitos internos sem interrupções de toda a sorte. Seja como for, mais uma vez Mickey Sumner esbanja talento e lida bem com as fraquezas, incertezas e medos de sua personagem, algo que é amplificado pelo caminho de sua investigação e a certeza de Bess de que há um plano muito mais insidioso acontecendo por baixo da superfície.

E isso é palpável a todo momento, eu diria. Cada fotograma dos episódios desta temporada parecem apontar para a inafastável conclusão de que Wilford está quase que totalmente controlando a situação, inclusive e especialmente a presença de Josie no hospital/laboratório de Big Alice. Por outro lado, mesmo que não pareça, começo a imaginar que Layton também tem seu plano “espelho”, uma espécie de rede de contra inteligência que pode incluir até mesmo LJ que não parece reatar contato com Alex por uma questão de amizade e/ou nostalgia. Mesmo que o personagem em si de Daveed Diggs continue devendo muita coisa para a série, tendo sido quase que completamente escanteado em A Single Trade, quer parecer que pelo menos indiretamente ele é mais do que um pseudo-revolucionário que faz tudo na orelhada. Resta saber como e quando os respectivos planos entrarão em conflito direto.

Expresso do Amanhã fica cada vez melhor e mostra que pode ficar ainda mais interessante se o showrunner abrir espaço para seus coadjuvantes. Se é importante repovoar a Terra dentro da história, é essencial que Manson saiba povoar de verdade seus trens em moto-perpétuo de forma que tenhamos uma constelação de personagens intrigantes para amarmos, odiarmos ou, melhor ainda, os dois ao mesmo tempo.

Expresso do Amanhã – 2X04: Toma Lá, Dá Cá (Snowpiercer – 2X04: A Single Trade, EUA – 15 de fevereiro de 2021)
Showrunner: Graeme Manson (baseado no filme homônimo de Bong Joon-Ho e na graphic novel O Perfuraneve de  Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette)
Direção: David Frazee
Roteiro: Kiersten Van Horne
Elenco: Jennifer Connelly, Daveed Diggs, Mickey Sumner, Alison Wright, Lena Hall, Iddo Goldberg, Susan Park, Sam Otto, Sheila Vand, Roberto Urbina, Mike O’Malley, Annalise Basso, Jaylin Fletcher, Steven Ogg, Rowan Blanchard, Sean Bean, Damian Young, Sakina Jaffrey, Chelsea Harris, Andre Tricoteux, Miranda Edwards
Duração: 47 min.

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