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Crítica | Expresso do Amanhã – 3X07: Ouroboros

Delírio detetivesco.

por Ritter Fan
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Ouroboros, a cobra engolindo a própria cauda, pode ter diversas interpretações e todas elas são aplicáveis ao episódio homônimo de Expresso do Amanhã. A primeira maneira de se olhar para o famoso símbolo é também a mais simples e direta, ou seja, a autodestruição, o caminho que o Perfuraneve em tese seguirá se continuar com esses conflitos internos. Mas a destruição também traz a renovação, a autofagia, por assim dizer e que leva à evolução e essa é outra maneira de se encarar o título, com os habitantes do trem, se conseguirem se acertar, tendo um futuro positivo e alvissareiro. E, claro, a própria simbologia do círculo eterno é o próprio trem, constantemente dando a volta ao mundo com seu moto perpétuo alimentando os resquícios da vida humana ali dentro.

O roteiro, co-escrito por Renée St. Cyr, também responsável por Bound by One Track, o outro episódio “alucinógeno” da temporada, e Tina de la Torre, bebe dessas interpretações possíveis para nos entregar um episódio que se passa quase que exclusivamente na mente de Andre Layton, em coma depois de matar Pike, lutando pela vida em um “universo paralelo” em que o trem tem a morte como símbolo, mas o sol e as cores quentes e pasteis como marca, além de basicamente uma inversão de papeis para todos os personagens que aparecem (menos LJ, pois LJ é sensacionalmente malvada e consideravelmente louquinha em todo o multiverso, claro!) em uma trama investigativa que lembra os filmes dos anos 40 e 50 e também, não coincidentemente, a própria primeira temporada da série.

Tenho total consciência de que muita gente deve ter revirado os olhos para mais alucinações na temporada, especialmente vindo de Layton que, do nada, começou a ter visões de Nova Éden, visões essas representadas por uma árvore que, segundo ele, seria nativa do Chifre da África (o que não é verdade, como já disse em outra crítica). E eu entenderei essa falta de paciência com esse artifício narrativo, pois ele realmente vem sendo usado com constância neste terceiro ano. No entanto, assim como aconteceu em Bound by One Track, em que Melanie passou a ser conjurada tanto por Alex quanto por Wilford por razões diferentes e bem construídas na trama, aqui a mesma coisa acontece, ainda que, talvez, com menos necessidade de acontecer.

Para começo de conversa, creio ser no mínimo interessante sermos brindados com uma “mudança de ares” na série. Ouroboros (agora falo do título do episódio – olhem aí o itálico!) é, para todos os efeitos, uma versão “negativa” de Expresso do Amanhã, com a fotografia em tons claros e lens flares em quantidades generosas (e irritantes, eu sei) e a direção de arte imitando algum lugar quente da América Latina, provavelmente o Caribe, além de figurinos relaxados e o elenco quase todo ganhando outra literal e metafórica roupagem tomando de assalto o episódio. A trama investigativa em si é daquelas bem exageradas, com fronteiras, passaportes, charadas e todos os tropos do gênero e da época que retrata, com Layton muito mais indo com o fluxo do que fazendo algo que realmente dependa dele, exatamente com um sonho ou pesadelo. A cereja no bolo, claro, é vermos Liana já adulta ao final (Kandyse McClure, a  Anastasia “Dee” Dualla, de Battlestar Galactica), como um sinal tanto de esperança quanto de destruição, já que é ali que finalmente entendemos o objetivo da alucinação: fazer Layton entender como ele “criou” Nova Éden e como sua mentira pode destruir o trem.

Claro que não era necessário todo esse desvio narrativo em o que é essencialmente um filler, para que a mesma conclusão fosse alcançada por Layton, mas tenho para mim que o caminho direto que, provavelmente, viria de fora para dentro, ou seja, com alguém falando para ele, não teria o mesmo valor para o personagem. Ele precisava descobrir aquilo e algum tipo de jornada era necessária. Como sonhos e alucinações, para o mal ou para o bem, fazem parte da série como um todo, ainda que haja um efetivo exagero aqui na terceira temporada, era até natural que a resolução viesse pelo emprego dessa técnica e, no meu caso, funcionou pelo cuidado da direção, do roteiro, da direção de arte e dos figurinos em nos apresentar algo em franca oposição ao que estamos acostumados a ver na série.

No entanto, nem tudo merece elogios em Ouroboros. Meu primeiro problema com ele foi Bess Till, sentindo profundamente a situação do amigo em coma, trazendo Audrey para ela “falar” com Layton em razão do que ela fazia em seu vagão-boate. Aliás, o que ela fazia no vagão-boate além de cantar e servir bebidas? Ficou parecendo que ela tem poderes sobrenaturais até que, pior ainda, não são “usados” até o fim, já que Layton acorda quando Audrey já não está mais lá e o que vemos ela fazer não tem efeitos práticos para além de um tremelique na mão. Seria essa uma tentativa de redimir Audrey, dizendo que foi ela quem curou o grande líder dos despossuídos?

Meu segundo e último problema foi a trama paralela com Wilford concluindo com base em raciocínio tirado completamente de sua cartola, que Melanie está viva. Bem, que ela estava viva eu não tinha muitas dúvidas, pois, com exceção de Pike, ninguém importante morre nessa série e, no caso dela, não só não há corpo, como todo o final da temporada anterior foi preparado para dar a entender que ela não morreu. A questão é que, por mais genial que Wilford possa ser e por mais simpático que seja ele construir um mapa-múndi com diversos livros e usar fitas para representar as rotas dos trem (o que orgulharia o MacGyver), nada que ele fala foi preparado antes e sua dedução parece completamente aleatória, além de rápida e simplista demais.

Eu até entendo a lógica de colocar Wilford por cima da carne seca novamente agora que Layton teve suas próprias visões do paraíso destruídas por seu delírio (irônico, mas bem bolado), já que isso exigirá algum tipo de aliança para que o trem não entre em revolta novamente, mas a conveniência do timing foi – assim sim! – de revirar os olhos. Os dois líderes em coma, os dois líderes tendo epifanias ao mesmo tempo. Agora só falta agora os dois se tornarem BFFs com cumprimento secreto, diário compartilhado e tudo mais…

Isso tudo, no final das contas, só indica que Melanie faz uma falta danada, pois, mesmo com o divertido coma detetivesco de Layton, a história macro continua dependente demais da mentira que ele fabricou manobrando a suposta democracia, o que é um fiapo narrativo fraco demais. Nada como uma mão de ferro que não seja completamente louca para colocar tudo nos trilhos novamente. Ah, e sim, eu gostei do delírio, mas agora já deu. Chega dessa história, por favor, Sr. Graeme Manson!

Expresso do Amanhã – 3X07: Ouroboros (Snowpiercer – 3X07: Ouroboros – EUA, 07 de março de 2022)
Showrunner: Graeme Manson (baseado no filme homônimo de Bong Joon-Ho e na graphic novel O Perfuraneve de  Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette)
Direção: Christoph Schrewe
Roteiro: Renée St. Cyr, Tina de la Torre
Elenco: Daveed Diggs, Mickey Sumner, Alison Wright, Lena Hall, Iddo Goldberg, Sean Bean, Katie McGuinness, Sam Otto, Sheila Vand, Roberto Urbina, Annalise Basso, Steven Ogg, Rowan Blanchard, Tom Lipinski, Archie Panjabi, Mike O’Malley
Duração: 44 min.

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