Home TVEpisódio Crítica | Expresso do Amanhã – 3X10: The Original Sinners

Crítica | Expresso do Amanhã – 3X10: The Original Sinners

Uma bifurcação na jornada.

por Ritter Fan
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Os Pecadores Originais chegou com um timing perfeito, pois mostra muito claramente que, se alguém ao microfone falar para o mundo inteiro algo com que você não concorda, que afete sua honra ou a de terceiros, sua resposta não precisa ser se transformar em um troglodita e partir para a guerra, tendo depois que, com o rabo entre as pernas, pedir desculpas. Sempre há um meio termo e esse meio termo normalmente passará por algo tão simples como uma conversa ou duas. E é promovendo a paz e não a guerra, o que, claro, subverte lindamente todas as nossas expectativas, que Graeme Manson encerra a terceira temporada de Expresso do Amanhã e, de quebra, infelizmente, despede-se como showrunner da série, já que, em seu lugar, entrará Paul Zbyszewski, que tem em seu currículo a produção executiva e roteiros de séries como Lost, o reboot de Havaí Cinco-0Agents of S.H.I.E.L.D. e Helstrom.

O episódio, além de oferecer a mensagem positiva de que podemos sim evitar a guerra se tivermos boa vontade – nem eu acredito muito nisso, sendo muito sincero, mas falo da mensagem, da utopia! -, consegue materializar visualmente a metáfora do embate entre a fé e a ciência, com direito até mesmo a uma espécie de “terra de ninguém” ou “purgatório” no meio, que coloca Layton e seus seguidores ainda crentes na promessa do Novo Éden diretamente contra Melanie que vê nessa crença uma aventura anticientífica. Wilford e seus decadentes seguidores no vagão noturno são como o diabo e seus demônios só esperando ver que bicho vai dar para, então, de uma forma ou de outra, recolherem os despojos da guerra e refestelarem-se novamente no comando do que sobrar.

O roteiro que o showrunner co-escreveu com Aubrey Nealon é muito bem compassado ao lidar com todas as peças móveis possíveis, inclusive e especialmente as diversas mudanças de aliança abrindo espaço não só para Layton e Melanie, como também para todos os demais, inclusive o normalmente esquecido Miles. Ver os dois lados – e o meio – armarem-se em preparação à guerra, a aliança de Melanie com Wilford para o fim prático de impedir a tomada da locomotiva antes do desvio que leva ao Chifre da África e a reviravolta climática que coloca Melanie e Layton armando uma bela armadilha para Wilford que, então, é defenestrado do trem e posto no bólido de hibernação criado pela engenheira-chefe para sua sobrevivência foi um primor de cadência, com Christoph Schrewe mais uma vez mostrando um trabalho primoroso na direção que faz com que todos os acontecimentos guardem uma boa lógica interna mesmo quando deslocamentos enormes – e instantâneas – são necessários. Até mesmo a revelação de quem era o mais novo morto que estava vivo graças aos esforços da Doutora Mengele – ninguém menos do que Bojan “Boki” Boscovic – funcionou dentro dessa engrenagem toda como um momento de descontração, por assim dizer.

E a solução salomônica – e verdadeiramente democrática – para o conflito merece aplausos por sua simplicidade e obviedade em retrospecto. Afinal, se, antes, eram dois trens autossuficientes, eles poderiam voltar a ser, cada um seguindo na direção desejada por seus respectivos líderes e seguidores. E o melhor dessa solução é que ela permite a literal bifurcação da série em dois núcleos completamente diferentes, um ainda girando ao redor do globo em uma linha férrea e o outro estacionado na Terra Prometida que, contra todas as probabilidades, existe de verdade, marcando aquela ponta de esperança de que o mundo poderá ser efetivamente reconstruído. Ou seja, mais uma vez a série tem potencial de se renovar e, agora, com maior variedade de cenários e uma pluralidade maior de situações, e tudo sem necessariamente descartar o retorno de Wilford alguma hora para azedar a festa.

Confesso, porém, que não gostei da forma como Schrewe lidou com a chegada de Big Alice ao Novo Éden. E não quero dizer que a revelação da existência ou não do lugar deveria ter sido deixada para a próxima temporada, pois, ao contrário, creio que a escolha de abrir o jogo logo aqui foi boa, sendo capaz até de criar mais expectativas sobre a vindoura quarta temporada do que a manutenção do mistério. O problema, para mim, ficou mesmo no tempo longo demais que foi dedicado a isso, com a tentativa de se criar um suspense bobo sobre o destino do Big Alice. Considerando a importância dos personagens que elegeram tentar a sorte no Chifre da África e a baixa probabilidade de a temporada acabar com um descarrilamento mortal – não que eu fosse contra, pois poderia ser interessante uma mortandade desse nível -, toda aquela “tremedeira” na ponte pareceu-me artificial demais, sem que os dividendos fossem bons o suficiente para justificá-la. Teria sido muito mais interessante se o trem tivesse entrado na tempestade e, de repente, saído no paraíso ensolarado que eles encontraram. Pode ser um detalhe, mas é um detalhe que não me pareceu combinar com a abordagem essencialmente direta e honesta do que veio antes. E, ainda que o problema não seja a duração, mas sim apenas a desnecessidade, achei que o episódio deveria acabar em Nova Éden, pelo que o pulo temporal de três meses ao final, com aquele foguete misterioso explodindo, poderia ter sido evitado.

Com um bem diferente e promissor status quo que oferece um cardápio maior de opções à serie e um novo showrunner que traz a reboque a escalação de Clark Gregg, o eterno Agente Phil Coulson, para o elenco, Expresso do Amanhã promete trilhar um caminho renovado para sua próxima temporada, um que tem potencial de expansão de universo, com novas e variadas linhas narrativas. Será sem dúvida interessante acompanhar essa jornada agora bipartida de uma série que sabe se reinventar a cada novo ano.

P.s.: Apesar de eu ter vergonhosamente rido de LJ se engasgando com o olho de vidro de seu pai, espero fortemente que ela não morra. Afinal, se Melanie pode sobreviver seis meses sem comida entrando e saindo de hibernação, Boki, explodido que foi, pode retornar ao mundo dos vivos e assim por diante, não é muito difícil acreditar que LJ consiga escapar ilesa desse momento tragicômico…

Expresso do Amanhã – 3X10: Os Pecadores Originais (Snowpiercer – 3X10: The Original Sinners – EUA, 28 de março de 2022)
Showrunner: Graeme Manson (baseado no filme homônimo de Bong Joon-Ho e na graphic novel O Perfuraneve de  Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette)
Direção: Christoph Schrewe
Roteiro: Graeme Manson, Aubrey Nealon
Elenco: Daveed Diggs, Jennifer Connelly, Mickey Sumner, Alison Wright, Lena Hall, Iddo Goldberg, Sean Bean, Katie McGuinness, Sam Otto, Sheila Vand, Roberto Urbina, Annalise Basso, Steven Ogg, Rowan Blanchard, Tom Lipinski, Archie Panjabi, Mike O’Malley, Aleks Paunovic
Duração: 49 min.

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