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Crítica | Extermínio: A Evolução

Sobreviventes numa implacável quarentena em busca de sentido.

por Leonardo Campos
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Após quase duas décadas desde o lançamento do primeiro filme da aclamada franquia, Extermínio: A Evolução marca o retorno do diretor Danny Boyle e do roteirista Alex Garland com uma narrativa que busca explorar novos horizontes no gênero do terror. Com 126 minutos de duração, este terceiro episódio se afasta da estrutura dramática do segundo filme, optando por retomar elementos do original de 2002. A vida, conforme narrada neste novo capítulo, é dominada por um estado de constante vigilância, onde a sociedade foi forçada a se reconfigurar sob as ameaças que os infectados representam. Nesse novo mundo, esses infectados, que há muito deixaram de ser meros monstros sem consciência, passaram a compor uma mitologia própria, com subdivisões que lembram até tipologias raciais. Assim, a produção não apenas revisita os fundamentos do terror, mas também propõe uma reflexão sobre a natureza humana e sua relação com o medo e a exclusão. Em resumo: entretenimento e crítica social de primeira.

A narrativa deste terceiro filme é, indiscutivelmente, dinâmica e reflexiva, pois se passa 28 anos após os eventos do anterior, levando os espectadores a um futuro onde o medo, a insegurança e o caos se tornaram parte integrante da vida cotidiana. As pessoas vivem em uma quarentena eterna, revelando um estado de alerta constante que permeia suas existências. Nesse novo contexto, a luta pela sobrevivência se torna não apenas uma questão de escapismo, mas também de definição de identidade, tanto para os humanos quanto para os infectados. Assim, a narrativa apresenta a evolução das criaturas, que deixaram de ser simples seres hostis para se tornarem reflexões das ansiedades e preconceitos da própria sociedade. Embora o filme não inove na estrutura do terror, ele dialoga com as preocupações contemporâneas, fazendo uma crítica sutil à marginalização e à criação de “outros” a partir do medo.

O primeiro filme da franquia revitalizou o subgênero de terror zumbi ao explorar a ideia de que, no fim, os verdadeiros monstros somos nós mesmos. Agora, avança essa discussão ao ambientar a narrativa quase 30 anos após o apocalipse causado por um vírus que transforma humanos em criaturas violentas. O filme segue a jornada de uma família: um pai (Aaron Taylor Johnson), uma mãe (Jodie Comer) e seu filho (Alfie Williams). Todos navegam por um mundo hostil fora dos muros de uma comunidade isolada. Essa nova trama incorpora uma estrutura que remete aos videogames, destacando os desafios e as aventuras enfrentadas pelos protagonistas em meio ao caos. A atuação do elenco, que inclui também um Ralph Fiennes que aparece mais tarde na narrativa, é uma das grandes forças do filme, assim como as deslumbrantes paisagens das montanhas escocesas, que funcionam como um contraste à tensão crescente.

A direção madura de Boyle contribui para construção do clima de terror, proporcionando a intensidade necessária ao enredo. Em um momento em que o subgênero de zumbis parecia estar perdendo força, o filme se destaca por trazer não apenas uma nova abordagem às criaturas, mas também uma crítica ao mundo pós-apocalíptico, mostrando como a verdadeira ameaça pode vir da própria humanidade. Essa combinação de elementos torna Extermínio: A Evolução uma adição significativa à franquia, reunindo ação, emoção e uma reflexão sobre os monstros que habitam dentro de nós. Algumas críticas brasileiras interpretaram o filme de maneira tão superficial que a impressão que se tem é destas pessoas desconcentradas nos seus smartphones ao longo da sessão, única explicação para associar vocábulos como “comédia” e “nonsense” ao filme que mantém ritmo dinâmico e força narrativa em todo seu processo.

Esteticamente, Extermínio: A Evolução conserva a essência que marcou os primeiros filmes da franquia, mas traz uma nova tonalidade aos seus elementos visuais e sonoros. A trilha sonora, composta pelo grupo Young Fathers, é um dos destaques da produção, enfatizando a tensão presente na narrativa com suas texturas percussivas que amplificam a sensação de angustiante proximidade do perigo. Além disso, a direção de fotografia de Anthony Dod Mantle é igualmente eficaz: ele alterna entre amplos enquadramentos que estabelecem o espaço fílmico e closes que exploram a intimidade e a complexidade dos personagens. Essa habilidade de manipular o espaço e a luz não só contribui para a atmosfera de tensão, mas também enriquece a narrativa, permitindo que o público se conecte emocionalmente com os desafios enfrentados pelos personagens. A iluminação e seus filtros, o design de som, os efeitos visuais e, como já era de esperar, a maquiagem e os efeitos práticos também são realizados com muita competência pela equipe de composição desta icônica franquia cinematográfica.

Ademais, narrativa aborda a possibilidade do apocalipse contemporâneo, ressaltando a influência dos smartphones na captura desses momentos cruciais. Segundo informações de bastidores, a produção utiliza iPhones 15 Pro Max para documentar a devastação, marcando uma nova era na produção cinematográfica, que combina tecnologia de ponta com um grande orçamento de 75 milhões de dólares. Essa escolha não é apenas inovadora, mas também reflete uma tendência crescente em filmes que buscam um olhar mais íntimo e pessoal sobre eventos cataclísmicos. O uso de aparelhos que fazem parte da rotina das pessoas destaca a conexão entre o público e a realidade apresentada na tela, tornando a experiência mais acessível e realista.

Além do uso de iPhones, a produção incorpora diversas ferramentas avançadas, como drones e gruas, que possibilitam a filmagem de cenas em ângulos e planos variados. A colaboração entre Boyle e o diretor de fotografia Anthony Dod Mantle destaca a construção técnica do filme, que se desvia de métodos tradicionais, utilizando adaptações que permitem a sincronização de múltiplos smartphones para capturar imagens em 180 graus. Essa abordagem não só enriquece a narrativa visual, mas também eleva o potencial estético da obra a um novo patamar. Por meio dessa mescla de tecnologia contemporânea e visão artística, a trama brinda o público com uma experiência cinematográfica envolvente, refletindo a nova realidade digital e suas implicações, criando um mundo próprio dentro da estrutura dramática, realista e ao mesmo tempo, dominada pelas liberdades artísticas de uma composição cinematográfica ficcional, com suas próprias regras.

Em sua essência, Extermínio: A Evolução tem muito a oferecer aos fãs da franquia e ao público que busca um conteúdo que vá além do mero entretenimento. O filme respeita sua mitologia enquanto se mostra capaz de expandir seus temas para questões mais complexas e relevantes. O final, embora intrigante e aberto, sugere que há mais histórias a serem contadas e que a luta contra o medo, a alienação e a busca por identidade nunca termina realmente. Com isso, Boyle e Garland não só entregam uma sequência digna de seu legado, mas também abrem caminho para uma nova visão do horror, onde o verdadeiro monstro não está apenas à espreita nas sombras, mas vive nas interações humanas e nos medos que compartilhamos. A sensação de angústia vivida pelos personagens é transmitida para nós espectadores que, após vivenciar as incertezas de uma pandemia recente e o testemunho de comportamentos individuais e coletivos que representam ausência de uma consciência civilizada diante de muitas situações. O discurso deste filme é mais atual e aterrorizante do que nunca. Uma respeitosa revisita ao universo dos infectados e dos sobreviventes em busca de novos significados para suas vidas.

Em linhas gerais, se o primeiro Extermínio revitalizou o subgênero de terror ao introduzir uma nova dimensão à metáfora de que os verdadeiros monstros são, muitas vezes, a própria humanidade, nesta sequência, as deslumbrantes paisagens das montanhas escocesas que emolduram a história, apresentadas por meio da direção de Danny Boyle, que se mostra madura e eficaz, criando a tensão necessária para um filme de terror impactante. Ao reimaginar os zumbis como uma ameaça rápida e implacável, Extermínio: A Evolução não só reforça a pertinência de seu discurso no contemporâneo, numa produção de entretenimento que também reflete sobre a natureza humana em um cenário de desespero e sobrevivência. É um filme  que se destaca por combinar ação, emoção e uma crítica social pertinente em um ambiente aterrorizante. Os realizadores evitam as armadilhas da nostalgia pura e apenas à serviço dos fãs, entregando uma jornada de horror que também toca nas cordas sensíveis de nossa existência, tal como luto e amadurecimento diante das tentativas e erros.

Extermínio: A Evolução (28 Years Later – Reino Unido/Estados Unidos, 2025) 
Direção: Danny Boyle
Roteiro: Alex Garland
Elenco: Jodie Comer, Aaron Taylor-Johnson, Jack O’Connell, Ralph Fiennes, Joe Blakemore, Alfie Williams, Celi Crossland, Geoffrey Newland, Erin Kellyman
Duração: 126 min.

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