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Crítica | Extremo Ocidente

Ocidentalismo como cultura de guerra e violência sendo canibalizada.

por Davi Lima
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Extremo Ocidente

Mais um filme do estúdio Mangue Bangue, mais um universo criado pela dupla João Pedro Faro e Bruno Lisboa nos traços mais fundamentais do cinema: a imagem e o som. A capacidade de Extremo Ocidente tornar Detroit num cenário de guerra único, seja o europeu de 1945, na Segunda Guerra Mundial, ou o vietnamita de muitos traumas na Guerra Fria, concede a ferocidade sensorial e psicológica realista e imaginativa do extrato bélico mais óbvio: a violência.

Com algumas paridades kubrickanas com a temática de Nascido para Matar, João Pedro Faro nos dirige do recinto do suicídio, onde o protagonista (Miguel Clark) do filme mora, até a natureza mortal de uma praia ou da cidade onde o canibalismo parece mais celeste que a vida de soldado do personagem principal, comendo carne ruim e sempre na constante iminência da morte. O filme, até certo ponto, traz um alívio aparente na praia, o espaço que na verdade é melancólico no imaginário das guerras. Mas ao se tornar um singelo conforto na história visual da obra, a morte passa a espreitar , num contexto mostrado com uma imagem aberta, no maior foco angular da fotografia, com a carcaça de uma tartaruga em  decomposição mais rápida que o andar do animal.

É  nesses efeitos em conflito que Pedro Faro desenvolve sua filmografia desde o curta Duas Imagens de Guerra, nos atritos mais básicos do cinema que criam uma progressiva narrativa, desenvolvendo um mundo próprio de cinema que o espectador ou se expulsa desse quartel pessimista ou adentra nos próximos passos de uma guerra que não se vê, mas claramente está no cenário. Diferente de Sombra, que prezava pela aparelhagem dos atos dos personagens como temática e abordagem, em Extremo Ocidente busca-se o que a militarização, em sua maior obscuridade, representa como cultura, seja em qual for o ambiente – extracampo ou frontal das ações. Essa base holística para o diretor é aproveitada na conjugação facilitada do conceito de conflito com o de  guerra, abrindo espaço para propor o estilo Mangue Bangue ser a travessia do filme sobre guerra.

Se no ínício do longa-metragem há a pornografia, as músicas de época, a carta de suicídio e o Almanaque do Recruta Zero, a violência mais administrada do canibal, mais religiosa que um tiro de bala, “animaliza” e depois “humaniza ” o ser dito mais violento. As memórias que Pedro Faro desenvolve no recinto mais trágico de um soldado, por mais consumista que lhe servisse, são cauterizadas. O soldado quando sai de seu esconderijo doméstico só vive o espaço vazio e bélico da sua mente. A guerra é imaginativa e muito real, enquanto a violência se internaliza, apenas explícita na fragilidade de um momento ordinário da alimentação. Ironicamente, não é isso que um canibal faz? Se alimenta? Qual a diferença da sua violência para a que a guerra inclui no soldado?

A fotografia, quando mostra o protagonista fumando, olhando a praia, servindo ao âmago cultural militar, desenvolve muito mais o espaço com o personagem do que ele com o espaço. Isso só se inverte quando a violência canibal entra em jogo. O estilo Mangue Bangue, bem Cinema Marginal, se solta e a qualidade da imagem se torna feia, visceral, derramando aquele deslumbramento antitético da qualidade cinematográfica violentando o espectador com a montagem e a psicologia da morte em desalento.

É tudo sobre violência, afinal, mas cada uma muito específica. Algumas mais naturais em foco, algumas culturais extremas e outras ordinárias que se tornam extraordinárias pelos rituais que desafogam a violência e libertam as memórias. A lentidão da filmografia de João Pedro serve a isso, o entendimento das liturgias da violência que expõem os animais, os seres humanos e os extremos imaginados na guerra.

Extremo Ocidente (Extremo Ocidente) – Brasil, 2022
Direção: João Pedro Faro
Roteiro: João Pedro Faro, Bruno Lisboa
Elenco: Miguel Clark, Daniel Brito, Bruno Lisboa
Duração: 70 minutos

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