Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Faat Kiné

Crítica | Faat Kiné

por Luiz Santiago
398 views

Faat Kiné é uma comédia dramática de Ousmane Sembène, o penúltimo e até então mais leve filme de sua carreira. A obra, que estreou no Pan African Film Festival em fevereiro de 2001, também veio após outro longo hiato na carreira do diretor, desde o lançamento de Guelwaar, em 1992. Aqui, mais ciente de como trabalhar questões de valores sociais e motivos ideológicos em um enredo, o diretor optou por um tom mais leve, ao ambientar sua trama na Dacar dos dias modernos e ter como centro das atenções a poderosa Faat Kiné (Venus Seye).

Sabendo que as mulheres sempre tiveram uma atenção especial no cinema de Sembène e que as questões de identidade e as transformações históricas sempre foram linhas argumentativas de grande força em seus roteiros, o que vemos em Faat Kiné é um ajuntamento dessas coisas caras ao cineasta senegalês numa obra que mostra um conflito de gerações a partir de um ponto de vista muito maduro, tendo como carro-chefe o papel da mulher na sociedade.

A maneira como Kiné é construída aqui merece toda a atenção. Primeiro, no modo como a equipe de figurinos caracterizou a personagem, depois, na forma como sua atuação nas mais diversas conversas, situações, enfrentamentos e escolhas é mostrada na tela. Estamos falando de uma pessoa da classe média no Senegal, que trabalha como gerente de um posto de gasolina, que é solteira e tem dois filhos. Mais para o final do filme temos algumas revelações definitivas a esse respeito, mas a obra é construída sob esse patamar.

E Kiné é o grande símbolo da força e poder de escolha das mulheres nessa nova faceta social, um momento que conta com uma juventude voltando o seus olhos para a política (e isso é muito interessante, com o diretor dando um ar de renovo e esperança a esta seara, após a sua visão muitíssimo crítica para a política nacional, em Xala) e uma reestruturação de valores. É a partir do cotidiano de Faat Kiné que o público tem contato com um recorte de classe, com a constante luta entre tradição e modernidade no modo de as mulheres se vestirem, no modo das pessoas agirem e também nas ideias — a sequência final, com o diálogo entre pai e filho, expõe isso de modo bem didático.

As cenas de flashback servem para contextualizar algumas relações do presente, mas também para dar ao espectador um importante padrão de comparação entre os valores tradicionais da sociedade senegalesa e o que há de diferente nessa modernidade vista no filme. Note como o ato sexual e a conversa sobre o sexo é diferente para uma mulher do passado e para uma jovem do início dos anos 2000. Note como o sucesso escolar tem grande importância nessa nova conjuntura e, principalmente, em como as relações entre pais e filhos são mescladas por alguns ingredientes tradicionais (muitos deles ressignificados, basta ver a forma que o diretor escolhe para mostrar os filhos interessados em casar a mãe novamente) e as novidades encontradas nessa nova era.

Os valores que delineavam as relações interpessoais se tornaram mais assertivos em alguns aspectos e, como sempre, nem todos conseguiram se adaptar bem. O filme mostra isso tanto por parte das mulheres quanto dos homens, mas justamente por escancarar o machismo dessa sociedade é que este lado de ação masculina acaba ganhando maior relevo e gerando o maior número de embates, direta ou indiretamente. Faat Kiné chama a atenção para o fato de que a independência do Senegal e a libertação do pensamento e hábitos dos colonizadores é apenas uma parte de tudo aquilo que o país precisava aprender a mudar. E como toda mudança é difícil e requer certos sacrifícios, Sembène aproveita a leveza da comédia e a força de um drama de alinhamento feminista para falar sobre traçar linhas entre o tempo de opressão e o tempo de conquista de direitos, forçando as performances sociais a se realinharem. Evoluir e libertar-se é preciso.

Faat Kiné (Senegal, 2001)
Direção: Ousmane Sembène
Roteiro: Ousmane Sembène
Elenco: Venus Seye, Mame Ndoumbé, Awa Sene Sarr, Tabata Ndiaye, Ndiagne Dia, Mariama Balde, Ibrahima Sane, Ismaila Cissé, Pape Faye, Marie Augustine Diatta, Eloi Coly, Maodo Diagne, Samba Wane, Malick N’Diaye, Lamine Ndiaye
Duração: 120 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais