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Crítica | Fábulas: Vol. 10 – O Bom Príncipe

por Ritter Fan
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estrelas 4

Obs: Há spoilers dos volumes anteriores da série principal, cujas críticas você pode ler aqui. Leia sobre João das Fábulas aqui e sobre as graphic novels da série, aqui.

fabulas_vol_10_o_bom_principe_plano_criticoO décimo volume de Fábulas é um dos poucos que pode ser comentado sem fragmentações, como tenho feito constantemente, já que ele é essencialmente formado por uma narrativa só em nove partes, com apenas um interlúdio. O foco é em Papa-Moscas, ou o trágico ex-Príncipe Ambrósio, personagem que basicamente ocupou os bastidores da saga até esse momento, como um zelador da Cidade das Fábulas e melhor amigo do Garoto Azul.

Mas ao longo dos nove volumes anteriores, Bill Willingham foi preparando o leitor para os acontecimentos que se desenrolam no climático décimo volume, ao contar a origem de Papa-Moscas, um príncipe que carrega maldição imposta pela Frau Totenkinder: ela o transformou em um sapo até que encontrasse seu amor verdadeiro. E ele, mesmo assim, o encontrou, casando com seu amor e tendo oito filhos. Ele viveu em paz em seu pequeno reino até que as forças invasoras do Adversário o atacou e ele, indefeso e transformado em um sapo (um resquício da maldição o faz voltar a ser sapo sempre que fica nervoso), assistiu seus filhos serem mortos e suas filhas e esposa serem estupradas e mortas pela horda de goblins do Imperador. Esse trauma o fez perder a memória desses acontecimentos e ele, uma vez fugindo para a Cidade das Fábulas, passou, por interferência constante de Bigby Lobo, a ser “condenado” a pequenos trabalhos por transgressões mágicas que ele cometia (engolir moscas como reflexo), situação criada para mantê-lo ocupado e impedi-lo de voltar às Terras Natais para “procurar sua família”, o que, se fosse feito, o levaria quase certamente à morte.

É perfeitamente possível ver um semblante de plano sendo formado na cabeça de Bill Willingham tamanha é a importância de Papa-Moscas nos bastidores como um coadjuvante “de luxo”, mas é praticamente impossível entender e captar de antemão o escopo do que o simpático e amável personagem acaba se tornando em O Bom Príncipe. Essa surpresa é realmente interessante, mas não completamente sem problemas.

O evento que catalisa o que vemos em O Bom Príncipe é o presente de Natal que o Papai Noel dá a Papa-Moscas em Pelas Barbas de Noel, one-shot contido no volume anterior. O bom velhinho devolve as lembranças ao ex-príncipe. Uma maldade? Certamente que sim, se vista assim, separadamente, mas O Bom Príncipe é a quase literal coroação do ditado “há males que vêm para bem”. Deprimido e decidido a voltar para as Terras Natais depois de treinamento com a espada Vorpal e o manto de Garoto Azul, que se recusa a treiná-lo, claro, o personagem acaba esbarrando no fantasma de Sir Lancelot, finalmente libertado da “armadura enforcada” no escritório central da Cidade das Fábulas graças ao atabalhoado e nervoso Bufkin.

Lancelot, ao entregar sua armadura original e a espada Excalibur do Rei Arthur para Ambrósio, dá ao personagem novo e nobilíssimo propósito, que o coloca em uma longa e complicada jornada até as Terras Natais pelo caminho mortal do Witching Well (um poço mágico onde os fábulas mortos são “enterrados”). Lá, ele reúne um grande exército de fantasmas – dentre eles João Fiel, Weyland Obreiro, Barba Azul, Shere Khan e Maria (Gretel) – prometendo-lhes o paraíso ao final de suas tribulações por ali.

A primeira metade do arco de Ambrósio é focado em sua transformação, sem que Willingham deixe de dar atenção a outra questão sem relação com essa jornada: o jogo diplomático entre a Cidade das Fábulas e o Império, com o Príncipe Encantado, atual prefeito, usando de toda sua esperteza para lançar uma potencialmente perigosa provocação para João (Hansel), o emissário do Adversário (de Gepeto, claro). Também vemos um pouco da intensificação da estratégia de guerra dos fábulas, com a aliança com Bagdá ganhando corpo.

Na segunda metade, a jornada propriamente dita começa e logo vemos que Shere Khan e Barba Azul, como esperado, estão do lado do príncipe – agora Rei Ambrósio – apenas por conveniência estratégica, aguardando o momento certo para dar o bote. É que, apenas nas imediações dos novos e vastos poderes de Ambrósio, graças à armadura e à Excalibur, os fantasmas ganham massa corpórea e podem ter a chance de vagar para fora da região do poço, uma espécie de limbo entre a vida e a morte. Na Cidade das Fábulas, vemos uma importante revelação de Frau Totenkinder ao Fera, deixando clara a vastidão dos poderes da bruxa, algo que seria usado em volumes posteriores.

Minha implicância com os acontecimentos ao redor de Papa-Moscas tem relação com o emprego de artifícios simplistas, verdadeiros deus ex machinas, por Willingham ao longo da trajetória do personagem, notadamente quando ele e seus fantasmas chegam às Terras Natais e começam a reconstruir o castelo e as terras originais do Rei, ao mesmo tempo que atiçando a ira do Adversário que manda hordas e hordas de soldados para atacar Haven, o recém-batizado reino. Os poderes mágicos de Ambrósio são gigantescos demais, convenientes demais para que o leitor sinta algum semblante de ameaça efetiva ao personagem. Vejam, foi uma escolha deliberada do autor, claro, e, ainda que a história seja interessante e que o leitor seja fisgado pela curiosidade e pelos nobres atos de Ambrósio, fato é que as soluções narrativas deixam a desejar e se fiam demais em poderes que parecem gratuitos, desbalanceados com o que o leitor viu até agora sobre mágica dentro desse universo fabulesco.

A história, porém, flui muito bem do começo ao fim, sem que o autor demonstre fadiga ou faça a narrativa arrastar-se. Funciona quase que como um capítulo a parte em toda a mega-saga que levará os fábulas à guerra contra o Império, ainda que esteja, de maneira indelével, ligada a ela. A transformação de Ambrósio de apenas um simpático personagem em um rei altivo e corajoso, muito diferente de trair a personalidade de Papa-Moscas, a utiliza muito bem, quase que como um desenvolvimento lógico (mas completamente imprevisível). Não fossem os repentinos super-poderes que ele ganha ou se esses poderes viessem gradativamente, seria um arco perfeito.

Entre uma parte e outra de O Bom Princípe, há um interlúdio desenhado bem apropriadamente com belos traços mais infantis de Aaron Alexovich, focando no aniversário de cinco anos dos seis filhotes de Branca de Neve e Bigby Lobo. A importância da narrativa vem com a revelação – finalmente! – da existência de Fantasma, o sétimo filho do casal que é extremamente poderoso e, como o nome dá a entender, invisível. O leitor já conhecia o personagem desde Os Ventos da Mudança, mas só a partir dessa singela história (cujo título é O Segredo de Aniversário) é que ele passa a integrar mais firmemente o rol de personagens de Willingham.

O Bom Príncipe é, talvez, o arco mais “fácil” de se ler, por ter uma narrativa fluida – ainda que cheia de acontecimentos – do começo ao fim, mas muito da fluidez vem das conveniências de Willingham ao entregar ao personagem itens extremamente poderosos que facilitam e muito seu caminho, retirando um pouco da “urgência” e “perigo” que, por exemplo, sentimos em Terras Natais, volume dedicado à expedição mortal de Garoto Azul aos domínios do Império. De toda forma, é mais um grande acerto do autor em sua magnus opus.

Fábulas: Vol. 10 – O Bom Príncipe (Fables: Vol. 10 – The Good Prince, EUA – 2007/8)
Contendo: Fábulas #60 a #69, publicados originalmente entre outubro de 2006 e junho de 2007
Roteiro: Bill Willingham
Arte: Mark Buckingham, Aaron Alexovich (#64)
Arte-final: Steve Leialoha, Andrew Pepoy, Aaron Alexovich, Mark Buckingham
Cores: Lee Loughridge
Letras: Todd Klein
Capas: James Jean
Editora (nos EUA): Vertigo Comics
Editora (no Brasil): Panini Comics
Data de publicação no Brasil: dezembro de 2011 (encadernado)
Páginas: 244

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