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Crítica | Falando a Real – 1ª Temporada

Uma sensacional terapia audiovisual.

por Ritter Fan
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Se reduzirmos Ted Lasso à sua essência, podemos facilmente concluir que a série magistralmente lida com um terapeuta que, enquanto lida com seus próprios problemas pessoais, trata diversos pacientes com os mais diferentes problemas. Falando a Real, co-criada por Bill Lawrence, por sua vez co-criador de Ted Lasso; Brett Goldstein, ninguém menos do que o Roy Kent de Ted Lasso; e Jason Segel, comediante, produtor e roteirista que protagoniza a nova série, segue exatamente a mesma estrutura, só que abordando diretamente a vida de um terapeuta passando pelo luto da perda repentina de sua esposa em um acidente automobilístico. Mas seguir a mesma estrutura não quer de forma alguma dizer que as séries são parecidas ou que uma é repetição da outra. Falando a Real tem vida própria e partilha com Ted Lasso uma outra importante característica: é absolutamente imperdível por seus próprios méritos.

Narrativamente, o pontapé inicial de Falando a Real pega emprestado a premissa da primeira temporada de outra série espetacular, After Life, em que o protagonista vivido por Ricky Gervais, também sofrendo pela perda da esposa, decide, de uma hora para a outra, falar o que está pensando, doa a quem doer. Nessa linha, Jimmy Laird (Segel), o terapeuta “do meio” em uma clínica que divide com o veterano Paul Rhoades (Harrison Ford) e a jovem Gaby (Jessica Williams), durante uma sessão de terapia com uma paciente emocionalmente abusada pelo marido, dá um ultimato a ela: ou ela larga o marido ou ele deixará de ser seu terapeuta. Não é necessário conhecer muito de psicologia para perceber o quanto isso é errado, mas essa é a forma torta que Laird acaba encontrando para ele próprio se tratar da dor que sente.

Mas “falar a real”, como o título em português indica, é, como disse, apenas o começo e, ainda que as consequências dos atos do protagonista reverberem ao longo da temporada de diferentes maneiras, inclusive chegando a um mais do que esperado – e literal – cliffhanger para a já aprovada segunda temporada, o que realmente importa e o que realmente faz a série se destacar dentre tantas outras é o quanto o elenco é harmônico e o quanto os roteiros são cuidadosos e inteligentes, arrancando risadas, claro, mas jamais deixando o drama de lado. E sim, como é comum em séries do tipo, tudo gravita ao redor dos problemas psicológicos de todos os personagens, sejam terapeutas, pacientes, vizinhos, amigos, filhas e ex-maridos, problemas essas que o espectador vai conhecendo aos poucos, mas tudo converge de forma brilhante, trabalhando diversas facetas do ser humano de maneiras variadas e, muitas vezes, complementares.

Temos, por exemplo, o próprio Paul, que Harrison Ford encarna inserindo no personagem as características que o público em geral acha dele, ou seja com muita rabugice, frases curtas, diretas e honestas e nenhum pingo de paciência. O personagem, diagnosticado com Mal de Parkinson, tem dificuldades em contar a verdade para sua filha, com quem tem pouquíssimo contato e, claro, em manifestar sentimentos, seja a óbvia conexão mestre-pupilo que sente com Jimmy ou o orgulho que sente por Gaby. Gaby, por seu turno, parece a mais resolvida de todos ali, mas ela carrega a falha de seu casamento como um ônus, além de sua personalidade mais atirada por vezes lhe colocar em situações que ela, depois, precisa consertar. Claro que o destaque fica mesmo com Jimmy e sua forma de se tratar, tratar sua filha, sua vizinha, e sua “adoção” de Sean (Luke Tennie), um paciente novo seu com dificuldade de controlar a raiva que, por culpa sua, acaba morando na casa da piscina, do outro lado do jardim. A relação de Sean com os demais personagens da série é muito divertida e funciona como uma forma inteligente de elevar a narrativa da temporada.

O único que escapa à regra do do “todo mundo tem problema” – propositalmente, claro, de forma a ser a famosa exceção – é o hilário Derek (Ted McGinley), marido de Liz (Christa Miller), a “mãezona” vizinha de Jimmy que, desde a morte de sua esposa e do afastamento de Jimmy do convívio “normal”, vem dando especial atenção à sua filha adolescente Alice (Lukita Maxwell). Não há dia ruim para o personagem e, mesmo que ele seja um óbvio, mas simpaticíssimo, arquétipo unidimensional com participação limitada na temporada, é impossível não abrir um sorriso quando ele aparece, mesmo que seja fazendo xixi na varanda de sua casa.

Falando a Real é, no final das contas, uma série deliciosa e uma garantia de sorrisos constantes, risadas esparsas e de um drama que faz pensar e que pode até resultar naquelas lágrimas furtivas aqui e ali. Essa é, aliás, mais uma característica que ela positivamente tem em comum com Ted Lasso, sua inegável base de inspiração. Nada como uma boa sessão de terapia audiovisual para desanuviar a mente e deixar evidente que não somos nós os únicos que temos problemas, por mais que algumas vezes achemos isso.

Falando a Real – 1ª Temporada (Shrinking – EUA, de 27 de janeiro a 24 de março de 2023)
Criação: Bill Lawrence, Jason Segel, Brett Goldstein
Direção: James Ponsoldt, Ry Russo-Young, Randall Keenan Winston, Zach Braff
Roteiro: Bill Lawrence, Jason Segel, Brett Goldstein, Brian Gallivan, Rachna Fruchbom, Bill Posley, Annie Mebane, Wally Baram, Sofi Selig, Neil Goldman
Elenco: Jason Segel, Harrison Ford, Jessica Williams, Luke Tennie, Michael Urie, Lukita Maxwell, Christa Miller, Ted McGinley, Heidi Gardner, Lilan Bowden, Kimberly Condict, Devin Kawaoka, Rachel Stubington, Lily Rabe, Wendie Malick, Tilky Jones
Duração: 314 min. (10 episódios)

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