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Crítica | Falta Pouco (2022)

Em filme metalinguístico, Wellington Sari reflete sobre as próprias possibilidades de se fazer um desktop movie.

por Michel Gutwilen
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Sinto a sensação de uma dívida interna comigo mesmo desde quando vi Bia Mais Um na edição online do Olhar de Cinema 2021, pois mesmo tendo achado um dos melhores longas-metragens brasileiros dos últimos anos, por algum motivo eu paralisei na tentativa de escrever sobre ele. Talvez porque foi um filme que mexeu tão profundamente comigo a nível de subconsciente que eu não achei que conseguiria traduzir uma experiência tão sensorial e mística a nível de palavras. Ainda não consigo dizer muito sobre ele, é verdade, mas se posso fazer um comentário seria que ele estranhamente é tudo que se pode esperar de um romance clichê adolescente, mas depois vai se permitindo adentrar em universo de estranheza que leva a obra para um terreno quase que metafísico, por uma sensação de mal-estar fantasmagórico que vai sendo construído desde seu formalismo muito preciso, mas também pela própria estrutura de montagem. 

Desde então, fiquei curioso para ver algum novo projeto do diretor Wellington Sari (também ex-escritor da Revista Contracampo e realizador de outros filmes, que não consegui assistir), agora encontrando uma oportunidade em Falta Pouco, seu novo curta-metragem pela produtora O Quadro. Se parto de Bia Mais Um, vale traçar um diferencial imediato entre essas duas obras. Enquanto o longa-metragem funciona como um convite à imersão do espectador em seu mundo onírico, há no curta Falta Pouco uma ruptura, quase que um distanciamento brechtiano, pois ele existe no terreno da metalinguagem, estando a todo tempo comentando sobre o próprio propósito de sua existência, ao propor reflexões mais generalistas sobre Cinema, além das novas possibilidades da imagem e de narratividade na era do cyberespaço

Vale compará-lo também com outro selecionado desta edição do Olhar de Cinema 2022, o desktop movie Filme Particular, que pertence a um crescente gênero que usa o cyberespaço para traçar investigações forenses, transformando a atividade cotidiana de pesquisar no Google e nos arquivos um filme conspiracionista. Por mais que a progressão de Filme Particular vá levando à novas descobertas sobre o tema, não há nele de fato nenhum novo uso formal dentro do dispositivo, em um literal exercício de gênero. Ainda que goste dele, qualquer um já familiarizado com os ensaios de Chloé Galibert-Laîné, por exemplo, sabe os caminhos que serão percorridos. Já Falta Pouco seria quase a antítese disso tudo, pois é de destino difícil de ser traçado, em que cada novo plano parece levar para uma nova direção, por rupturas em sua estrutura. Ao recusar a ideia de investigação forense que se apropria do meio para lidar com um tema do mundo, Sari se volta para as próprias possibilidades de criação dentro do meio, de jogar para diferentes lados formais, ainda que sem a promessa de chegar a algum lugar ou de respostas.

Este movimento do curta-metragem já começa a partir da confusão do entre diretor e ator, com Wellington Sari fazendo o protagonista que carrega seu próprio nome, enevoando a barreira entre o ficcional e o documental. Até que ponto vai a interpretação e o que há de autêntico da figura real do diretor ali? No formato digital, quando somos todos uma imagem nossa na tela de um computador, como distinguir o que é autêntico nosso ou fruto de um personagem? 

Narrativamente, Falta Pouco é também praticamente sobre a própria busca por fazer um filme em terras digitais, tateando diferentes formatos ao longo do caminho. Primeiro, começa como um filme de diálogo na base do plano e contraplano na mesma imagem dentro do zoom. Em seguida, vira um ensaio experimental, quase que anti-fílmico, na recusa por imagens e fornecendo somente do áudio. Depois, flerta com o desktop investigativo pelo Google, mas rapidamente o abandona. Mais adiante, ele sai da própria tela do computador e vai para o mundo dos sonhos. Afinal, por que essa rigidez em ficar preso neste espaço, sem se permitir dar uma volta em outro lugar? 

De mesmo modo, Sari também vai provocando explorações nas próprias imagens de arquivo que são deformadas por bugs e corrupções, parte de um processo involuntário e algorítmico que na verdade gera uma fantasmagoria na imagem. Assim, vai se formando um amálgama que atesta pela infinitude de possibilidades criativas que uma obra desktop poderia ser, ainda que limitado ao formato de curta-metragem e sua duração (e, neste pouco tempo, ainda se gaste tempo nas conversas autoconscientes do que invés das experimentações formais).

Por fim, é justamente nos minutos finais que o filme narrativo finalmente parece existir, sendo como se todo o processo que culminou nele existiu previamente antes não fizesse parte em si de Falta Pouco, mas de um momento anterior, dos bastidores de um processo criativo. Então, estaria aí até uma ideia irônica de concepção do desktop movie, que é tão disperso por sua natureza, em um processo que leva a tantos desvios e obcecados com pistas falsas que, ao final, quando o verdadeiro filme irá começar, ele acaba. Assim, Wellington Sari avança em uma série de movimentações que parecem conscientemente contraditórias, porque para depois ir em uma nova direção. Falta Pouco não é um filme-resposta e tratado definitivo sobre o tema, mas joga boas provocações. 

Falta Pouco (2022) — Brasil
Direção: Wellington Sari
Roteiro: Wellington Sari
Elenco: Monique Rau, Wellington Sari, Gustavo Piaskoski, Bruna Dal Vesco
Duração: 22 mins.

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